De cada remo
a água transida
na ceifa que investe.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Pelo garrote incensado
as conspirações amontoadas
no prato da História.
Emudecem de raiva
os geniais vultos
que cultivam o despropósito
assobiam para o alto
como se prevenissem as desgraças
de descerem ao chão dos Homens vãos
e tudo se falasse com o verbo futuro
por tão elevada crença nos dissídios.
Às contrariedades respondemos com esgares
o mal disfarçado desprezo pela atonia.
As pessoas não se escondem
do avesso que as desonra.
Desovam as fraquezas que os consomem
mesmo que as fragilidades
falem de um futuro ainda por aplicar
como se houvesse apenas
palavras esvaziadas.
Avança
esta é a avoenga herança
sem transigir na dicção dos costumes:
fala-se de valores
antes que sejam esquecidos
dantes esquecidos na febre da apatia.
Avança
antes que fantasmas sejam moradores
e a desolação retrate a paisagem
como se um inverno nuclear tivesse chegado.
Avança
antes que a anestesia do tempo
de ti faça mera estátua sem toponímia.
A leveza da tarde
entre as árvores que renascem
e o rumor que evoca as falas limítrofes
levita no palco onde se aformoseia o dia.
Como se fosse uma anestesia
e em redor tudo deixasse de contar
os olhos fechados entram no exílio
desenham os contornos de um lugar singular.
Não se perfumam as armas de outros arsenais
não se tatua a desconfiança na melancolia
não se levantam as ondas iracundas
numa maré acostumada por ventos adestrados;
as ruínas escondidas
avalizam o tempo furtivo
rivalizam com os destroços avulsos
que não são despojos.
Se der à noite o que ela impetra
– um quarto sombrio onde vagueiam as palavras
o luar logrado pelas nuvens acamadas
um rasto de sobriedade que povoa a lucidez –
sinto a redenção a medir as veias
e sei que sou tutelado pelo sono seguinte
enquanto o amanhecer se prepara
na fábrica dos sonhos.
Tanto se elucubra
sobre a guerra comercial
e ainda ninguém se lembrou
de tarifar a guerra.
É a maresia que adocica o dia
à medida que o relógio se adianta à luz
e os desacontecimentos se orquestram
no idioma válido.
Diziam
que somos todos derrotados
mas não acreditei;
está é uma teimosia cara aos vencedores
um cálice bordado a ouro para o melhor néctar
as pétalas encimando as pálpebras prístinas
e outros modos de falar
que passam pelo silêncio.
Tomo o entardecer como solução para as dúvidas
sob a tutela de um copo de vinho
a espada para desfeitear o dia tumultuoso
à espera que a maré encha
no recobro solitário dos verbos desarrumados.
Esta é a fértil absolvição imprevista:
o revólver vazio
acompanha a solidão da noite.
Ainda bem que não há vítimas
no perímetro sob a tutela do olhar.
E depois havia aquele notável
que, cansado de o ser,
suplicava
“quando for pequeno”.
Tomamos conta do luar
apanhamos de cor
as pétalas que levitam
e dançamos os verbos encantados
que nascem no sangue amotinado.
A senda aberta
o grande temor do mundo
arrancado aos ferros ferrugentos
amacia as palavras que se estilhaçam.
Podemos dar nomes a vulcões
ou apenas ficar à espera do luar
enquanto afastamos o crepúsculo
com as costas das mãos.
Podemos assentar os olhos no devir
amassando os verbos até serem pródigos
e cortejar os jacarandás
até que se tornem nossa bandeira oficial.
Podemos desejar os versos por fazer
sermos arquitetos da poesia sem estribo
ou apenas darmos a voz colossal
ao palco onde se emancipa a fala.
Podemos fugir da noite fria
empunhando as mãos enlaçadas
que fruem no hino magistral
enquanto vemos os dias em roda-livre.
Podemos ouvir o rumor das rugas
o silencioso penhor que não recusamos
e estender os passos ao tamanho do mundo
no calendário sem regras que levamos nas mãos.
Permanente contratempo
a égide dos olhos tomados pelas nuvens
e lá fora
a multidão sem protesto por falta de causa.
Logo que os tribunais dos sentidos
ganhem sua pausa
peço à lua um chapéu sem abas
para do luar pedir duas estrofes de empréstimo
enquanto finjo um sono improvável
e escuto as falas que se entrecruzam
no reino destronado
por conta da avenida dos heróis sem nome.
Não se diga
que há carestia de palavras.
O poema arredondado
sobe no crescente diurno
emoldura o rio prateado
como se fosse medalha olímpica.
Rasuradas as lágrimas
extingue-se o vulcão da memória.
Agora somos só nós
uns braços sem arestas
e a visibilidade da manhã fria.
À sorte
pedimos a água que afasta a sede
uma maré sem nome
que se alista no cais sem prescrição.
Dizemos adeus
aos fantasmas diletantes
e no compêndio da fala
convocamos as bocas sem mudez
elas em forma de poetas
embuçando o exército de párias.