21.9.25

#4212

De cada vez que anoitece 

o sonho agiganta-se 

nas asas de uma quimera.

20.9.25

#4211

A metáfora 

nunca fala 

sozinha.

19.9.25

Injustiças documentadas (593)

Afinal de contas.

A final de contas.

Afinal decantas.

Injustiças documentadas (592)

Ali estava 

à espera 

de uma vaca de fundo 

sem dar conta 

que não estava na Índia.

#4210

Que ninguém deixe de amuar 

se o contrário for fingimento.

Injustiças documentadas (591)

Não dar cavaco a ninguém 

não é má ideia 

tal é a desvalorização do Cavaco.

18.9.25

Nó cego

O que se compra

com uma boca cheia de palavras?

Foi assim

em pose sarcástica

cheia de moléculas de certeza imponderável 

que amanheceu a conversa

como se fosse preciso

acordar sem aviso prévio

e os ouvidos 

a que se destinava a boca sem travão

estivessem obrigados a ocuparem essa posição. 

 

Um logro bastante.

 

Tomaram a palavra os ouvidos desafiados

desta vez sua uma pose

a desobediente pose

cultora de impaciência com as frivolidades atávicas. 

Não queriam ser o caudal

por onde entrava 

a gongórica prestação de inutilidades. 

Infelizmente

as preces de uns sobrepõem-se

ao silêncio dos que

impassíveis

fogem do centro do palco. 

#4209

O alterado verbo meu 

que não espera por dádivas.

17.9.25

Injustiças documentadas (590)

A falta de comparência dos deuses

deve-se à extinção do barro.

#4208

Sem mãos 

sem mãos 

sou eu, 

em combustão vulcânica, 

a conduzir um mundo.

16.9.25

Uma prateleira de versos (desbiblioteca)

Se um dia 

vier um vento omisso

e do avesso a cabeça fruir num precipício

não me digam 

que é uma conspiração de Morfeu 

não me digam

que estou de avanço pelo fuso telúrico

e de mim se espera 

apenas 

a morada do silêncio. 

Se um dia

as portas decadentes combinarem 

com os veios da luz contrafeita

e eu 

aos deuses continuar sem dizer palavra

que me sejam abraçadas as bocas extáticas

a irremediável porção da noite

desencomendada aos anjos galopantes

e num arremedo de audácia

a mim 

convoquem as estrofes ajardinadas

o penhor de todos os medos

e eu

via láctea sem muros

me torne baldio não cadastrado

o amador profissional

que dá de penhor o sangue eflúvio

e uma prateleira de versos.

#4207

Ninguém sabe 

dos amuletos dos outros; 

ninguém olha 

pelo avesso das mãos.

15.9.25

Um copo de canseira (das antigas)

Um cofre arrendado ao porteiro

a parola que se avinagra nos mentirosos

essa terrível mania de falar da vida dos outros

viver – como se fosse possível – a vida dos outros

o asfalto perene que se cola ao céu da boca

e acaba com a mudez das consoantes

as diatribes de que são vítimas

na pessoa de fantasmas bem oleados

ao frequentar a disciplina 

“princípios gerais da conspiração”.

Um nabo a tiracolo

(estou mesmo a falar do vegetal)

emagrecidos pela dieta exemplar

os lugares-tenentes assobiam para dentro

à passagem de uma mulher escultural

agora são proibidos os piropos

foram extintos os piropos

a bem da antítese da masculinidade tóxica.

Amanhã

quando vierem os operários da metalurgia

vais tirar o modelo das fardas;

pode ser o futuro último grito da moda

antes que a moda emudeça de vez.

Injustiças documentadas (589)

Ao nono dia 

tirou um curso intensivo 

sobre como passar 

dos atos às intenções.

#4206

Pela cara do dia 

o sangue está em vias 

de se tornar lava.

14.9.25

#4205

O rufia 

forrado pela ira 

entontece a noite deserta.

13.9.25

#4204

A fama 

é sempre decantada 

pela boca dos outros.

12.9.25

Desenvelhecimento

O piano amortece nas teclas trocadas

e nós mentimos à idade

boémios encartados

no povoar dos lugares pródigos.

Não deixamos

que os adiamentos falem mais alto.

Passamos uma rasteira ao tempo tirano

e acabamos a rir 

como se não houvesse outro verbo.

Somos o nome da cidade 

a esquecer a vergonha mortífera.

Injustiças documentadas (588)

Manual de instruções 

do peripatético pastor das massas:*

o ridículo

nem mata nem mói.

 

*[No dia em que é capa do DN a primeira sondagem com o Chega à frente das intenções de voto]

#4203

Cá nos arranjamos 

entre o ódio profissional 

e as cicatrizes da indiferença.

11.9.25

Injustiças documentadas (587)

Ninguém perguntou ao corço

se quer participar no carnaval.

 

[Laivos de antropocentrismo]

#4202

Estremunhados 

os olhos incendeiam 

o dia.

10.9.25

Parque de estacionamento

Desta janela

desenhamos a paisagem.

É a nossa feitoria

como se a história tivesse parado

e os rios habilitassem as estrofes cheias.

As mãos dão nomes aos lugares

numa alquimia que cobre de ouro

as veias animadas com o vagar do tempo.

Atravessamos o luar tingido:

é nas costas do medo 

que descobrimos o segredo.

#4201

As rijas penas 

sofrem-se 

no vagar da angústia.

9.9.25

Ciência, política

Os países 

não têm biografia.

 

As pessoas

não têm bandeira.

 

As almas 

não têm custódia.

Injustiças documentadas (586)

Excelso, 

ou o dantes chamado

Celso.

#4200

Atiro-me ao mundo, 

descarnado, 

e não sei bem 

se é o mundo insaciável 

ou se sou eu.

8.9.25

Palavra de desonra

Um aformoseado ramo de cheiros

coloniza o quarto

a centelha acende-se na fruição das mãos

mesmo que estejam às escuras os olhos

mesmo que pendidos amanheçam os dias

não são as convulsões averbadas pelos pesadelos

a desfazer os propósitos

e o reino não fica pária. 

 

Amanhã

começo no dorso da manhã

e sigo por aí dentro

até ser o imperador ilibado

o poeta sem franquia

que não desiste

não desiste

e do dia 

faz o seu trono imorredoiro. 

#4199

Os gomos da esperança 

esmagam-se 

contra a boca insaciável. 

O seu sumo promitente apetece 

até aos deuses.

Injustiças documentadas (585)

Os que têm mãos pequenas 

são apátridas da bondade.