10.10.17

#338

No dorso da nortada
cavalgando a ira
fermentada em ninho alheio.

9.10.17

Amálgama

De que é feita esta amálgama?
De que sol fundido se orquestram as palavras
entre os berços vadios
e arbustos revezes?
Destronei os patíbulos do dissídio
em desfavoráveis tempos
de argutos, insensíveis escanções das almas
contra os abutres famintos
sobrevoando os contratempos em pose impante.
Não fugi das cartografadas responsabilidades
não as afugentei para lugar incerto
e aos sobressaltos não fechei os olhos.
Não terei sabido de muita coisa.
Não terei sabido tomar nas mãos,
em sentido próprio,
as intentonas cruéis
os abjetos tronos das divindades impostoras
os embaraços diurnos
as majestosas lápides deselegantes
os pesqueiros sem proa
os mares das ondas indolentes.
Não havia sangue derramado
nem cicatrizes tatuadas na pele molestada.
Tirando isso
sei o lugar da intrincada amálgama
e não sei o resto:
de que é feito esta amálgama.
Mas sei
do sólio insensato das mágoas sobrantes
e da alvorada emoldurada no rosto radioso,
no intemporal sentido das perguntas
a que não desaguam respostas.

#337

Os séculos desembaraçados
no fino cabelo do tempo:
a transgressão da boca calada.

8.10.17

100 metros barreiras

À condição:
um lampejo de génio
contra a tirania do estertor.

Combatem-se vultos,
arruinado a trepidez,
na viável volúpia do resgate.
Não pagam comissões
os tiranetes dos roubos de almas
nem os que se lambuzam
com sequestros não circunstanciais.
O génio
em lampejo fosforescente
com lantejoulas a adejar
(assim seja preciso)
clareia o baço dia (des)composto.

Não há nada
como a manhã adversa
(ou a manhã controversa,
o que vai dar quase ao mesmo):
o tempo em espera
só pode ser caução de proezas.

Nem que seja à condição.

#336

Devoto.
De voto.
Devo-te.

7.10.17

Chave

Atirada a chave ao ar
no aleatório movimento da demência
não sabia se ganhava a cor do vento
ou se tinha diluição nas águas pluviais.
O cinto armado
sobre o coldre gasto
não constituía fiança.
Cantava ao longe o coro outonal
e as estrelas timoratas,
amalgamadas nas nuvens,
mal acendiam a noite rompante.
Procurou a chave.
Mapeou o chão
e os vestígios das águas pluviais
enquanto a cidade se esvaziava
com a noite por testemunha.
Achou a chave
Por entre detritos encostados a um baldio
tomada pela sujidade
na imundície de quem se acha perdido
e configura os passeios da cidade
em errância venal.

#335

Repouso
na mão do nevoeiro
não cingido a plúmbeos sonhos.

6.10.17

Colosso

Desisti do lírico amparo do mundo.

Não que o mundo não mereça;
não quero mais mondar as margens volúveis
não quero
naufrágios em berço de ouro
facas fundas a boiar em nenúfares sem culpa
as ruidosas crianças
sem adivinharem o pleito doravante
e as buganvílias decadentes 
na ilharga da estiagem.

Vingam-se as nuvens sem rosto
em apuradas incisões por dentro da carne
em cicatrizes indissolúveis
um baraço irritante que detém os movimentos.

Ah!
Se ao menos pudesse sonhar com um oásis
com prestimosas personagens seus atores
e as planícies não escondessem um ermo arenoso
enquanto à ceia
servia as palavras empunhadas pela boca faminta
nem que fosse apenas 
para ser seu singular ouvinte.
Deitar-me-ia sobre tapetes sem rugas
no dorso da noite desamparada
– e eu seu exigível amparo,
se me não esquecesse.

Meneio o olhar profícuo
à procura dos versos andantes
das paredes transparentes
dos sacerdotes sem deus
dos invulgares esteios sem cais
dos números perdidos nas equações.
Procuro
algum sentido
sem aval dos compêndios azulados da razão
sem o escudo esquecido da bondade,
apenas com a indomável gesta sem antepassados
sem sequer o patíbulo do adeus.

À espera de invenções tonitruantes
do progresso
à falta de ser eu seu fautor.

#334

Da coleção esquecida:
vasos sem uso
vinho avinagrado
e uma bússola estilhaçada.

5.10.17

#333

Salvo conduto
salto no escuro
falto à transgressão
falso garrote.

Ouro

O ouro espalhado
apanhado em seivas destinadas
sob janelas tempestuosas
sem medo dos embaraços
sem nos sentirmos penhorados
pela esteva quebrada.

No ouro vertido
em lagoas miríficas
os corpos nus na habitual coreografia
somos o ouro intenso
puro
tesouros sem contraste
nos rostos molhados pelo bolçar da cascata.

Do ouro transigido
cobramos a tenência das almas
das nossas,
as que contribuem para a mordomia do tempo,
e tingimos os dedos com a tinta vertida
nas palavras que roubamos
ao ouro sentido.

4.10.17

As cortinas baças


O sextante enferrujado
na proa desabitada
espera por mãos seguras.
Talvez marinheiras,
as mãos
precatando o roteiro cautelar
por entre marés medonhas
e visitas de anjos promitentes.
É como uma boda
as harpas sabiamente dedilhadas
em acordes mastins que deliciam os celebrantes
e sorrisos incautos
sorrisos ardis
cortesias militantemente farsantes,
provocatórias na deslisura sua vertedura,
palavras baças pelo vinho excessivo.
No dia seguinte
poucos guardam memória.
Não gostaram do sextante
servido em cristais admiráveis:
oxalá não houvesse sextante oferecido
em remoques risíveis que atordoam
– protestam,
entre duas cefaleias e três fármacos,
os invisíveis celebrantes à míngua de memória.
Pois o male
(insistem)
é o sextante e sua existência.

#332

Agarro
com as mãos inteiras
a maresia tardia
e trago a mim o sal despedaçado.

3.10.17

Babugem

Estou impressionado,
azoado – diria:
o senhor mandão
zeloso tiranete local
abespinha-se à conta de
(veja-se lá o topete)
perguntas.

Per-gun-tas!

O senhor mandão
prefere as ideias no singular
e às suas semelhantes.
Mas as perguntas
descosidas sobre seu domínio hermético
intuem o plural,
hedionda impossibilidade.
A tolerância
(insinua o mandão)
não admite perguntas que os calos pisem.
Tem bom remédio,
o mandão:
há especialistas nas maleitas calosas
ou leva com tirocínio no plural
ou remete-se,
prisioneiro da fúria avassaladora,
da fúria reveladora,
à babugem
que das suas palavras se excreta.