19.4.06

Espólio

As cinzas adornam as páginas dobradas.
Um restolho que passeia na memória,
o espólio do tempo fugido.

Na máquina do tempo
as imagens percorrem a tela
fogem quando as quero reter
por uns instantes.
Recordações
que fazem esboçar um sorriso,
ou
experiências dolorosas,
quantas vezes de uma dor procurada
como caçador furtivo
persegue a sua presa.

Eram tempos
em que a tristeza
não queria viver abandonada.
Tempos
do ar plúmbeo
cores carregadas com as sombras
sempre presentes.

Desse tempo
guardo feridas já saradas.
Revejo as cicatrizes abertas
o vermelho carmim do sangue exposto;
revejo-as
património da indecisão,
o fausto manjar da perturbação
sorvida com deleite.

Desse tempo
apenas o restolho que foi pousando
com a calmaria dos anos.
O espólio nos meus braços,
enternecedora imagem
do ontem não renegado.

Apenas vontade:
não dedilhar as páginas para trás
deixá-las inertes no seu sono eterno.
Houve tempo que passou:
empedernido
esquálido
emoldurado
numa fotografia que retenho,
o sopro gélido que petrifica a memória.

Só isso,
e nada mais,
quero do tempo ido.

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