2.5.06

Ode à vida

Há almas que encontram paz na morte.

Sei que virás.
E sei que preparado não estarei
para te receber.
Pintam-te de negro.
Esconjuram-te, ensandecida és,
por desapertares os nós da vida.
Doentia e fatal
chegas um dia e ceifas a respiração.
Saltitas entre a penumbra,
para que ninguém te veja quando,
traiçoeira,
sorves ingénua alma para o alçapão.

Tu chegas a todos os mortais
que o são,
terrena e frágil condição,
por tu seres o que és.
Vestes de negro
quem chora a perda de quem levaste,
antecipando o choro invisível
da sua própria partida,
quando decidirdes que o indómito dia chegou.

Por tua culpa
vilipendiam o preto,
tu que cobres com manto de tristeza
os que sofrem com a despedida de quem levas
contigo.
Desapiedada,
dizes-te fiel da balança,
penhoras o equilíbrio da espécie.
Dizes-te
cultora da demografia aceitável.
E contudo
és cega quando tomas em teus braços
os mortais que o deixam de ser
quando se despedem dessa condição.
Será por isso que te dizem traiçoeira?

Por mim podes vir quando quiseres.
Convenço-me que sim,
que podes vir quando quiseres.
De preferência,
sem hora nem dia marcados.
Cá estarei,
não de braços abertos,
na jactante luta contra ti.
Há vida tanta por viver
que um sopro resoluto te afastará
Para algures,
um sítio que nem sei onde.

Virás,
as vezes que vieres,
e terás um obstinado amante da vida
insaciável no apego das coisas,
das pessoas, dos afectos.
Insaciado ainda por tanta vida haver.
Esse é o bolor que te incomoda,
ó morte tenebrosa:
para longe,
longe do horizonte.

Sem comentários: