17.3.16

#11

O fio à meada:
bolorento,
dissolveu-se
nos meus dedos.


16.3.16

#10

Às vezes digo:
oxalá
os ponteiros do relógio
fossem âncoras no tempo.


Trabalhos forçados

Não regateies encómios
nem perturbes as celebrações
dos génios avulsos
 – esses vultos singulares.
Em modo de músicos de taberna
ou de escritores de convento
puxam lustro aos campanários
de onde exalam suas
(putativas)
obras-primas.
Aplauso.
(Substantivo, não o verbo)
Roem-se de inveja alcoviteiras mendazes
pretendiam tanta fama;
por mais que sejam condenadas
a trabalhos forçados,
por mais que tragam a transpiração toda
em forma de musa,
por mais que percam o sono
julgando encontrar eloquência,
por mais que fatiem o dolo em pedaços,
as mendazes alcoviteiras não passam
da cepa torta.
O mais que conseguem
é invejar.
E eu,
do lado de fora,
em friso lateral e muito confortável,
deixo um esgar de regozijo
uma fulgurante gargalhada de gozo
– o gozo maior
de celebrar a tremenda imagem de uns
e os fígados algozes dos outros:
uma luta de titãs enfarpelados no nada.
E remato, dizendo:
deixem um lugar à desarte
para melhor lugar ocupar a arte que importa;
e deixem um lugar à inveja dos que invejam,
celebração capaz da sua pequenez
(coisa única em que conseguem ser imensos).


15.3.16

Árido

O perfume adulterado das roseiras
insinua-se nos poros abertos pelo suor.
Não fossem os espinhos carnudos
e as rosas seriam testemunho de uma divindade,
talvez
(talvez: a divindade).
Corro com as pernas exauridas
à altura da cratera do vulcão.
Na cumeada,
mesmo onde o precipício faz limite,
não há roseiras
e o odor está cingido à fedentina do enxofre
que vem das entranhas do vulcão.
À falta de flores
contento-me com o lugar altaneiro
feito promontório de mim
e perfume do meu suor.
Oxalá houvesse mais manhãs destas:
os aromas ferrugentos
a cristalizarem as lágrimas,
as de antanho e as prometidas.

14.3.16

A decadência

As folhas rasteiras
humedecidas pela noite fria
levitam ao primeiro vento matinal.
Sobra nas folhas o néctar deposto
por caídas dos ramos que foram seu regaço.
Ensaiam uma coreografia sem rumo
à medida dos golpes desembainhados
pelo vento.
Perdem-se umas das outras
enquanto o vento cicia seu almanaque tardio.
Hão de ser apenas vestígio
condenadas a matéria morta:
presas ao vidro de um carro
na ante-sola de um sapato
dissolvidas na vertigem do rio.
Condenadas aos dias escuros.
Os dias sem candeeiros possíveis
nem olhos com saber de olhar.