26.11.19

Farol

Um farol
na embocadura
da fala.

Desenha a luz
só com as mãos
o farol sentado.

Lilás é a cor
antes que mude de ideias
e bolce um expediente.

O farol
sem luvas
remexe nas algas túrgidas.

Perfumado
continua no tabuleiro
sem a opressão da desvantagem.

O farol
tem nome
quer ver escrito o seu nome.

Na miragem da manhã
desconfia de um navio
parece um fantasma.

Ao caldeirão sinérgico
traz os vestígios da alma
apanhados do vento tardio.

O vento
desce as escadas do farol
amuralha as paredes sem remorso.

No contrabando das palavras
uma pauta impura
acasala o sentir.

O pescador
retoma a estrada
no serpentear da dúvida.

Interroga o farol,
a pescaria ausente
e a proeza soará a mentira.

O farol
só sabe o que quer
na abundância que vem às mãos.

Diz estrofes avulsas
amanhecendo,
sozinho.

Sacia-se
nas palavras fecundas
e nas outras também.

Dizem
que o farol se candidatou
a um perene lugar no mapa.

Ninguém desmentiu o farol
na ousadia infante
da luz que o questiona.

#1279

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always 
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25.11.19

#1278

Sub-reptício.
Sub repto.
Isso.

Vozes secretas

Que paz 
no rebordo do horizonte
em camadas sobrepostas
na chama de um fugaz fósforo
que paz
espera a clepsidra dominante?

A música
um grito pungente
e ao mesmo tempo sublime
adorável
compêndio da tradução das dores da alma
e sua propositada adulteração
no sol esplêndido
aberto
um sol que repousa nas mãos
dos que sabem ser cientistas
de seu próprio desfado.

A litania 
é o modo em levitação
o verbo sem medida
maior do que as coisas maiores
ocasião para a devolução dos medos
e dos sonos hipotecados
enquanto se inventariam fantasmas venais
na confusa névoa
o denso locupletar das angústias.

Fica então
o doce sabor da boca
as palavras melífluas 
as nuvens redesenhadas no parapeito da vida
e um todo por abraçar
demiúrgico
o espelho avivado onde
retemperado
o corpo se retrata.

#1277

Não tem conserto
o concerto das almas
no miradouro em que se opõem?

24.11.19

#1276

O juro do alpinista
é o estuário do mundo.

Ferramenta

Não é a privação da fala
oráculo a meia-haste,
um atestado artesanal.

Não é a promoção do medo
calendário com arestas,
um esconderijo banal.

No papel amarrotado
as linhas direitas leem-se 
no dorso da escrita
e esta desobedece da fala
em pensamento cravado.

Não é a privação do pensamento
o vaso cavo, 
sem água
a meia-noite à procura de relógio.

E o tempo,
apavorado,
emudeceu.

23.11.19

#1275

Estaleiro adiado. 
Tentativa
fecunda e hedonista.

22.11.19

Improvável

Precário
o silvo da floresta
na asa de um lobo moribundo
entre as sombras
e um suicídio.

Mortuário
o lado nascente
na fala de um leão faminto
entre as obras
e um parto.

Testamentário
o grito rebelde
no rebordo da montanha íngreme
entre as portas
e uma dádiva.

Incendiário
o poente castelo
no regaço do mar sem ilhas
entre as janelas
e uma dúvida.

#1274

O ciciar do vento 
acena com a tempestade,
apadrinhando o dia ilustre.

#1273

Quem me dera
(desejo).
Quem me dera
(dádiva).

21.11.19

Prodigalidade

O pródigo abraço
sumido 
no ocaso demorado
um náufrago sem casa
sem paradeiro
sem fermento
um levantamento contra os castelos
participando das muralhas
embaraços à afluência das gentes.

Tinha um pão,
um só pão,
a epígrafe de uma refeição abastada
como atestava
a fecunda fumarola extraída da chaminé
desenhando a história aos olhos cansados
e dos olhos em repto da esperança

(o que quer que fosse a esperança,
para além de uma palavra cheia de 
usura
importada de romances meãos).

Não assinava os decretos
sem o consentimento dos parlamentos
por onde amesendavam os loucos.
É sempre melhor:
o pródigo abraço
em sumição de lucidez
que da lucidez ninguém traz enxugo
e os braços se adstringem nos carris exangues.

O pródigo abraço
era a antítese.

A necessária antítese.

Antes 
que a alegria do olhar
tivesse sumiço.

#1272

Amotinam-se
contra a ordem dos fatores
os homens que não aceitam respostas.

20.11.19

Filosofia do direito

Prontuário
evocas as regras
uma métrica
sinais de fumo
ordem. 
Código
desfazendo
o dia emaciado
penhor da conduta
articulado 
em forma de coerência
ou 
a coerência tomando
forma. 
Estirador
esterilizado
onde se desenham leis
laboratório de sinas
altar 
onde o prumo 
se admira ao espelho. 
Às regras
obediência esperada
incontestável estatuto
deificação dos homens
até que
estilhaços ferem as bocas
na voz dos insubmissos 
protesto contra as peias
rebeldia em boicote
os vasos comunicastes
da desobediência. 
Arquitetos das leis
mandatados
num esgar de desaprovação
insubordinam-se
contra os insubmissos
fazem das regras
caixa forte. 
Dormem
os mandatados
no sonho irrisório
da obediência sem lacunas. 
Perguntassem 
a uma divindade,
só para o tira-teimas,
e ela diria,
em não onerosa réplica,
doze vírgula três por cento
é o produto das ilegalidades
que chega à rede que as emalha.

#1271

Contradição.
Com tradição.
Contra adição.

19.11.19

#1270

Chamo ao meu falar
os nomes extintos
em personificação sem gema.

Contrassenha

Tomo partido.
Cubro as culpas sem tirania
e os tiranos assobiam bandeiras gastas
enquanto assento as fundações não amestradas
o temível contrabando do amanhã
em facas dóceis encavalitadas no respirar,
o húmus arrancado com as mãos
que ao rosto vem hibernar.

Insisto na métrica sem alma.
Perdoo as últimas gotas da chuva
na esplanada ausente
por entre a luz tímida
e as cores desembaciadas do homérico esbracejar
um martírio ao acaso
astuto.

Consigo no jejum dos pecados
a tinta contumaz que percorre as linhas
ilidindo as páginas dissolvidas
troando a fala funda 
na feroz incontinência da fala que não se jura
e depois
ao acaso
arrumo as flores arrancadas ao arrasto do dia
à sua implacável maré
e sou o compositor singular
da maré contida no meu peito forte.

Os adiamentos esperam no cais.
Esperam
enquanto a chuva é a barragem incómoda
aluvião inteiro na intermitência do verbo venal
e ao medo roubo o sono irrepreensível
na macieza da pele herdada nos dedos.

Uma luta desigual
no amparo das extremas onde os iguais se tecem
e a lógica insubstancial fixada na parede
levitando o seu ardor
o músculo combustível
irrompendo contra a mentira estilizada
nas varandas da fala sem diferenças.

#1269

Se houvesse o avesso do dia 
(sem ser a noite)
o que seria candidato?

18.11.19

O relógio que me deste

Não tem horas
o relógio que me deste.
Entoa os verbos por saber
hinos em nossas bocas
e os ponteiros descem
na moldura
de um rosto que trago no peito.

O relógio que me deste
desenha todos os minutos,
não importa se são parcelares,
sem os deixar para memória futura
no absoluto penhor das chaves 
sem esquecimento 
dos parágrafos alinhados
sem esquecimento
de como teus olhos foram meus tutores.

E se tivesse horas
o relógio que me deste
seriam as horas de ouro
as horas arqueadas 
pelas flores onde nidifica o perfume
as horas alinhavadas
pelos nossos dedos com sede de archotes
pelo vinho ímpar que nos incendeia
pela chama acesa no pálido entardecer
pelo verso escolhido a dedo.

O relógio que me deste
não precisa de dar as horas
porque o tempo todo
foi o que me trouxeste 
no teu remanso.

#1268

Quantas serão
as temulências contidas
no camião de cerveja à minha frente?

#1267


[Joy Division, “Atmosphere”, in https://www.youtube.com/watch?v=1EdUjlawLJM]

Irrecusável,
parto da ausência
até chegar ao luar lisérgico.

17.11.19

Trânsito

Capitalizo a coroa venal
a distorção acima das suspeitas
o dado sem números
desgarantia da sorte,
sinais de fogo.
O fogo prescrito
aviva-se nas cortinas transparentes
entre o nó entrincheirado do oblívio
e a densa perturbação da claridade
no fumo que se agiganta no cais.
Vindima-se o medo
como quem seca as mãos
depois da intempérie.

#1266

A manhã,
a redenção da noite. 

16.11.19

#1265

Desalinho da parada
no mosto da irreverência
e faço o verbo fecundo.

Diuturno

Direi
daqui a cinco minutos
na palma de uma folha enregelada
que proveito raro obtenho
da maresia atapetada
na noite ainda infante.

Digo
passados os cinco minutos
no rosto de uma flor tombada
que versos em surdina se congeminam
da névoa híspida
na madrugada em espera.

Disse
cinco minutos depois
na sela do luar timorato
que trago no peito descamisado
a tua fala que é minha voz
com a estrofe da manhã promissora.

15.11.19

#1264

Não ficamos para a História.
A história não se importa.

#1263

Recuo no emaranhado
até deixar em legado 
o fingimento do que não sei.

14.11.19

Paráfrase

Fosse a sorte
a fonte sortilégio 
em que tudo se brinda
fosse a sorte
a revolução sem sangue
a tábua onde repousa o fado antecipado
um amplexo com a agenda sem rosto
e saberíamos das horas a tempo.
Fosse a sorte
a tradição sem memória
e saberíamos a cor das grutas
o sabor das palavras das páginas seguintes
o tiro no escuro 
que é desprazer de um oráculo.

Não diremos nada à sorte
para não sabermos 
o que é a des-sorte.

#1262

Não caio,
por maior que seja
o abismo.

13.11.19

#1261

Não sei do lugar de mim
neste excêntrica despertença
que me toma de assalto.