3.12.19

#1287

Presépio social,
ou casa dos horrores.

[Marxismo do avesso]

2.12.19

Outridão

Que é feito das maldições
da abreviatura da vida
da espuma em vez de verbo
da diagonal que entronca no mar
do tecido baço no coldre dos puristas?

Que é feito do mosto quente
dos poros suados
das barragens de medo
dos almirantes sem espada
das entranhas em tira-teimas?

Que é feito dos sábios sem manual
dos protótipos dos loucos
das desonras a desoras
das fumarolas expiatórias
do magma que vem às pontas dos dedos?

Não sou feito da mesma massa
e, todavia, vejo os antípodas do centrípeto
como a casa central
a peça do xadrez movida sem consentimento
diadema extravagante pousado no canto,
escondido.

Não tenho apostas no mais vão de mim
e das cordas apertadas cobro meu arnês
antes que o ocaso seja um logro
e das mãos suba aos pesares
o arrependimento contumaz,
escusado.

Não sou da mesma massa feito
e da ossatura retenho o fio de prumo
o aplauso sem peias às proezas guiadas
sem a escusa da chuva
sem o amparo das preces,
retiradas.

#1286

Pólvora seca
que seca
a artilharia pesada.

1.12.19

#1285

No teatro da consciência
deixo o meu singular tesouro.

30.11.19

Águas profundas

Águas profundas
meneio o leme no avesso do vento
sondo a medula do mar
naquele lugar estranhamente inóspito
e futuro. 
O pico da maré
encobre os segredos da maresia
enquanto aposta com a noite
quem chega em primeiro lugar
às águas profundas. 
Nem um escafandro
conseguiria a avença do segredo. 
É como um ritual,
desaprendido,
e de sereias desenhadas
sobram silhuetas baças
e o sal do mar,
em verso.

#1284

Espalhar a palavra.
Vê-la a ficar espigadota.

29.11.19

Fundamento

O menos
o armeiro sem arsenal
a sua riqueza singular.

Ao menos
a gentileza em semente
em minimalismo decente.

De somenos
a fartura dúbia
no pedestal da argúcia.

Do menos
as garridas formas
a fecunda, prolixa deriva.

A menos
que um beijo sitiado
a emulsão do desejo.

#1283

Sobre a vertigem
o bafo obstinado
cobrindo as probabilidades.

28.11.19

Fronteiras em saldo

Fronteiras em saldo
fronteiras sem saldo.

Sem fronteiras
contrabando hasteado
na contradição de termos:
não há contrabando:
as fronteiras 
passaram à história. 

Sem fronteiras,
jogos assisados
lantejoulas descendo sobre a liberdade
para grande ira dos penhores dos limites
arvorados 
na hermética divisão de castas. 

À procura de fronteiras, 
com sede de as desmatar 
sobrando a sede do conhecimento
a fome de experimentar o dantes estranho,
caução da emancipação. 

À procura de fronteiras
em seu desnatar
soprando aos ventos ligeiros
a nova boa da terraplanagem dos limites
e agora
apenas a serventia dos deslimites
a fecunda faca cravada 
na medula do arbítrio, 
o donativo súpero.

Fronteiras: 
curiosidade arqueológica
no miradouro 
onde o Homem
se avença com grandeza,
a grandeza outrora amesquinhada
pelo espartilho,
artificial e arbitrário,
das fronteiras
em desenho avulso de Homens 
que gostam
de ser domados.

#1282

Não é catástrofe
a cal que abraseia 
a ferida aberta.

#1281

Guardo as bagas das romãs
como penhor do outono
e sei-as vívidas,
incandescentemente perenes.

27.11.19

As armas benignas

Estas são as armas
no amparo da varanda válida
sob uma luz apenas ténue:

uma orquídea decadente
o piano gasto
o ocaso ritual
o “poema contínuo”
as botas cardadas do despudor
a homenagem às homenagens sem rostos
o sentimento loquaz
o pudim de azeite
a leitura vagarosa
o dia sem relógio
o terno beijo da mulher amada
o doce sobressalto consequente
o notário dos feitos
os arbustos montanheses
o ribeiro tenaz
a lua sem medo
as páginas caiadas, à espera
a doméstica profusão de gatos
as palavras (sem adjetivo)
o feitiço embuçado
o fingimento levado a palco
o cais desembaraçado
a flor de lótus na lapela mental
a provocação aos facciosos
a militância de nada
o desenho do presente
o parágrafo do passado
a espera, intensa
o espreitar sobre o ombro da manhã
a lua caiada sobre o dia sobrante.

Estas são as armas
munições sem dor nem desprazer
miríade de vírgulas separando ideias
e as ideias sobrepostas, 
na harmonia invisível. 

#1280

Imparáveis
sobre os adereços frívolos
em terraços embebidos em flores.

26.11.19

Farol

Um farol
na embocadura
da fala.

Desenha a luz
só com as mãos
o farol sentado.

Lilás é a cor
antes que mude de ideias
e bolce um expediente.

O farol
sem luvas
remexe nas algas túrgidas.

Perfumado
continua no tabuleiro
sem a opressão da desvantagem.

O farol
tem nome
quer ver escrito o seu nome.

Na miragem da manhã
desconfia de um navio
parece um fantasma.

Ao caldeirão sinérgico
traz os vestígios da alma
apanhados do vento tardio.

O vento
desce as escadas do farol
amuralha as paredes sem remorso.

No contrabando das palavras
uma pauta impura
acasala o sentir.

O pescador
retoma a estrada
no serpentear da dúvida.

Interroga o farol,
a pescaria ausente
e a proeza soará a mentira.

O farol
só sabe o que quer
na abundância que vem às mãos.

Diz estrofes avulsas
amanhecendo,
sozinho.

Sacia-se
nas palavras fecundas
e nas outras também.

Dizem
que o farol se candidatou
a um perene lugar no mapa.

Ninguém desmentiu o farol
na ousadia infante
da luz que o questiona.

#1279

You default
always 
by default.

25.11.19

#1278

Sub-reptício.
Sub repto.
Isso.

Vozes secretas

Que paz 
no rebordo do horizonte
em camadas sobrepostas
na chama de um fugaz fósforo
que paz
espera a clepsidra dominante?

A música
um grito pungente
e ao mesmo tempo sublime
adorável
compêndio da tradução das dores da alma
e sua propositada adulteração
no sol esplêndido
aberto
um sol que repousa nas mãos
dos que sabem ser cientistas
de seu próprio desfado.

A litania 
é o modo em levitação
o verbo sem medida
maior do que as coisas maiores
ocasião para a devolução dos medos
e dos sonos hipotecados
enquanto se inventariam fantasmas venais
na confusa névoa
o denso locupletar das angústias.

Fica então
o doce sabor da boca
as palavras melífluas 
as nuvens redesenhadas no parapeito da vida
e um todo por abraçar
demiúrgico
o espelho avivado onde
retemperado
o corpo se retrata.

#1277

Não tem conserto
o concerto das almas
no miradouro em que se opõem?

24.11.19

#1276

O juro do alpinista
é o estuário do mundo.

Ferramenta

Não é a privação da fala
oráculo a meia-haste,
um atestado artesanal.

Não é a promoção do medo
calendário com arestas,
um esconderijo banal.

No papel amarrotado
as linhas direitas leem-se 
no dorso da escrita
e esta desobedece da fala
em pensamento cravado.

Não é a privação do pensamento
o vaso cavo, 
sem água
a meia-noite à procura de relógio.

E o tempo,
apavorado,
emudeceu.

23.11.19

#1275

Estaleiro adiado. 
Tentativa
fecunda e hedonista.

22.11.19

Improvável

Precário
o silvo da floresta
na asa de um lobo moribundo
entre as sombras
e um suicídio.

Mortuário
o lado nascente
na fala de um leão faminto
entre as obras
e um parto.

Testamentário
o grito rebelde
no rebordo da montanha íngreme
entre as portas
e uma dádiva.

Incendiário
o poente castelo
no regaço do mar sem ilhas
entre as janelas
e uma dúvida.

#1274

O ciciar do vento 
acena com a tempestade,
apadrinhando o dia ilustre.

#1273

Quem me dera
(desejo).
Quem me dera
(dádiva).

21.11.19

Prodigalidade

O pródigo abraço
sumido 
no ocaso demorado
um náufrago sem casa
sem paradeiro
sem fermento
um levantamento contra os castelos
participando das muralhas
embaraços à afluência das gentes.

Tinha um pão,
um só pão,
a epígrafe de uma refeição abastada
como atestava
a fecunda fumarola extraída da chaminé
desenhando a história aos olhos cansados
e dos olhos em repto da esperança

(o que quer que fosse a esperança,
para além de uma palavra cheia de 
usura
importada de romances meãos).

Não assinava os decretos
sem o consentimento dos parlamentos
por onde amesendavam os loucos.
É sempre melhor:
o pródigo abraço
em sumição de lucidez
que da lucidez ninguém traz enxugo
e os braços se adstringem nos carris exangues.

O pródigo abraço
era a antítese.

A necessária antítese.

Antes 
que a alegria do olhar
tivesse sumiço.

#1272

Amotinam-se
contra a ordem dos fatores
os homens que não aceitam respostas.

20.11.19

Filosofia do direito

Prontuário
evocas as regras
uma métrica
sinais de fumo
ordem. 
Código
desfazendo
o dia emaciado
penhor da conduta
articulado 
em forma de coerência
ou 
a coerência tomando
forma. 
Estirador
esterilizado
onde se desenham leis
laboratório de sinas
altar 
onde o prumo 
se admira ao espelho. 
Às regras
obediência esperada
incontestável estatuto
deificação dos homens
até que
estilhaços ferem as bocas
na voz dos insubmissos 
protesto contra as peias
rebeldia em boicote
os vasos comunicastes
da desobediência. 
Arquitetos das leis
mandatados
num esgar de desaprovação
insubordinam-se
contra os insubmissos
fazem das regras
caixa forte. 
Dormem
os mandatados
no sonho irrisório
da obediência sem lacunas. 
Perguntassem 
a uma divindade,
só para o tira-teimas,
e ela diria,
em não onerosa réplica,
doze vírgula três por cento
é o produto das ilegalidades
que chega à rede que as emalha.

#1271

Contradição.
Com tradição.
Contra adição.

19.11.19

#1270

Chamo ao meu falar
os nomes extintos
em personificação sem gema.

Contrassenha

Tomo partido.
Cubro as culpas sem tirania
e os tiranos assobiam bandeiras gastas
enquanto assento as fundações não amestradas
o temível contrabando do amanhã
em facas dóceis encavalitadas no respirar,
o húmus arrancado com as mãos
que ao rosto vem hibernar.

Insisto na métrica sem alma.
Perdoo as últimas gotas da chuva
na esplanada ausente
por entre a luz tímida
e as cores desembaciadas do homérico esbracejar
um martírio ao acaso
astuto.

Consigo no jejum dos pecados
a tinta contumaz que percorre as linhas
ilidindo as páginas dissolvidas
troando a fala funda 
na feroz incontinência da fala que não se jura
e depois
ao acaso
arrumo as flores arrancadas ao arrasto do dia
à sua implacável maré
e sou o compositor singular
da maré contida no meu peito forte.

Os adiamentos esperam no cais.
Esperam
enquanto a chuva é a barragem incómoda
aluvião inteiro na intermitência do verbo venal
e ao medo roubo o sono irrepreensível
na macieza da pele herdada nos dedos.

Uma luta desigual
no amparo das extremas onde os iguais se tecem
e a lógica insubstancial fixada na parede
levitando o seu ardor
o músculo combustível
irrompendo contra a mentira estilizada
nas varandas da fala sem diferenças.