O nome
embebido
sem homem na meada.
O homem
sem nome embebido
plástico.
Embebido
o nome órfão
no homem a prazo.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
O nome
embebido
sem homem na meada.
O homem
sem nome embebido
plástico.
Embebido
o nome órfão
no homem a prazo.
Ouve-se o ciciar de vultos perenes.
Não se traduz em palavras sufragadas,
o ciciar.
Na lonjura da planície
os lobos depositam o uivar
enquanto fogem das mandíbulas
dos mastins mais do que eles.
Que não haja fingimento deste xadrez
que sobe constantemente à cena:
é um jogo de algozes e presas
e às vezes troca-se de lugar.
Serão as vozes enformadas
inábeis consumidoras das imagens sem freio
à espera de portagens extintas?
Os embaraços fustigam a ideia do presente.
Açambarcam a fala
deixada numa fratura exposta
e as sílabas ensonadas
são a metamorfose de perguntas.
Ah!
Não sei que paradeiro hei de dar
dos loucos
que desafiam as gastas arestas do mundo.
Invejo-os,
os loucos sem saberem da simetria das regras
nem dos penhores que organizam a obediência.
Os risos ecoam no espaço à volta.
Mas não há rostos
não há matéria sensível
a cortar centímetros entre os lugares.
Há um labirinto que foge da mediana
contra o ultraje que desvia os olhos
e deixa-os hipotecados na hibernação.
Mas os vultos perenes
não deixam de se fazer notar;
inclinam-se vagarosamente,
matéria sem ossos,
para trás e para a frente,
como se fossem maestros implícitos
da colheita que se repete
todos os dias.
Em fogo larvar
o dó sem partida
imarcesce no goto das veias.
Não há resgate das almas
no chão lunar das profecias vãs
nem se chamam os nomes certos
aos meãos hesternos
escondidos em seus lúgubres lugares.
O mundo
é pequeno:
“deixem-me sair daqui”
diz-se à boca grande
como se ela abocanhasse o mundo
e ele, enfim,
medrasse por dentro do húmus interior.
O mundo
é pequeno:
e na vertigem do carrossel
já sem distinguir a música ligeira
as teimas tiradas no sargaço do futuro.
Vamos ao fundo das luzes
e trazemos a lava agarrada
o ingrediente singular
nas abóbadas do plural.
[Crónicas do vírus, DL]
Legifere-se
a esperança
– o voluntarismo do legislador
dobrará o braço da peste.
Dou à pele
um mar de corsário
um cortejo sem pajens
no rumor dos dias pensados.
Habito entre as marés
antes que de Neptuno seja refém
e nos calabouços das ideias
arrumo as minhas,
antes que sejam desarrumação infiel.
É nestes mares adestrados por meus olhos
que vinham os erros colossais,
matéria antecipada
nos provérbios armadilhados.
Sou eu
– não sei –
em povoados sem idioma
sulcando a geografia notária dos postais
enquanto as cavidades ancestrais amarelecem,
puídas pela estouvada correria do tempo.
Sou eu
sentinela dos marinheiros órfãos
apólice contra os naufrágios,
com a mão domando o mar encrespado
antes que revire os olhos
e se torne furibundo.
No meu vocabulário
não encontro espaço para a melancolia.
Não arranjo as avarias,
que as obras diletantes dos sacerdotes da vida
previnem a perfeição.
Sou eu
– o puramente imperfeito
mastro em que se hasteia o pólen
do que há de ser
alma à procura de o ser
ou vulto desossado de uma alma frágil.
Deixo de herança
o esquecimento de mim,
desexemplo por excelência
o fugitivo que verte tinta nas nuvens,
o mentor do nada
que em improfícuos mergulhos
traduz montanhas perfumadas a azul.
Eu,
o corsário inábil
gato furtivo sem gente por perto
modesto embaixador do etéreo
entre talhadas de loucura servidas em mão
e páginas esquecidas no torniquete da memória.
Eu,
essoutro à procura de paradeiro
na vinificação dos espíritos desatrelados.
À espera de vez,
à espera de monções do tempo
servidas sem arnês,
na possibilidade do desdito
sem encorpar se não nas estrofes
de um vate sem nome próprio.
Se a cabeça
coubesse num elmo
podia disfarçar as cicatrizes
que a corrompem.
Mas o elmo
não cabe na cabeça
e recusa ser pretexto
para as cicatrizes que a arruínam.
[Crónicas do vírus, DXLVIII]
Seremos apenas
contrabando
mal estejam escritas
as memórias da peste.
A boca estilhaçada
recolhe os beijos luxuosos
no átrio do futuro.
Emudece
enquanto se extasia
com os beijos carnudos.
É ela
sacerdotisa que amplifica as cores
é ela
que costura os beijos diamante
o idioma de todos os falantes.
A boca completa
depois de beijada
já não é contumaz
nem erra pelo fino fio que a separa
do abismo.
Deixou de ser
estilhaçada.
Acordo no dorso da noite
contra o tumulto da tempestade.
Estreito os braços até à chuva
na condição de com ela dançar
já que a solidão é nome da noite
e não é em seu nome a coreografia.
Arrasto os pés desastrados
e no palco combinado
afago a chuva intempestiva.
Dançamos.
Dançamos na hora repleta
os corpos de chuva suada
perfumam a solidão que invadiu
a noite.
Como se fôssemos eruditos
e a palavra
se fundisse nos gestos sublimes
em cada passo desarticulado
com que ornamentamos a noite.
O resto
fica por nossa conta.
Dizem que há derivas
que são dádivas.
e poltrões
que são pulsões
(ou pulgões,
já não tenho a certeza).
Também há feirantes
que são farsantes.
E ele há figurões
que não passam
de figurinhas:
(menos que peões
no xadrez em que se fazem passar
por reis com coroas escarlates
– ou serão apenas de plasticina?)
mentiras por dentro de mentiras
na safra de uma verdade infértil
cuspindo,
des-ca-ra-da-men-te,
no rosto de uma multidão
de mãos atadas.
Juntam-se os braços
na pontuação das páginas
e os misteres
animados por feixes de luar
angariam os açaimes sem rosto,
apenas uma curiosidade antropológica
(diz o oráculo: assim há de ser).
O chão sua de tanta inspiração.
Colhe os títulos
arrastados sem glória
nas mangas gastas dos verbos precários.
Essa é a força braçal
o magma inebriante
arrancado às profundezas
sem estatuto nem paradeiro
um beijo
que se leva da boca sem medo
no sonho
que se materializa.
[Crónicas do vírus, DXLIV]
Afogados nas mascarilhas
na posse do alibi permanente,
a dizermos
“não fui eu”.
Luta.
Luta livre.
Luta,
livre dos calos
da luta.
Luta livre,
no livreto desfolhado
da ausência de armas.
Livre
sem a luta como nome
no lisérgico desempoeirar
à luz mediana.
Uma livre luta.
Livre da luta.
Livre.
A espada canta
os silêncios trespassados
no cofre onde se confere
o dilúvio.
A espada não é certa,
no mosto avinagrado
onde se desfazem as palavras.
A espada
não fala.
Falam por ela
os guerreiros,
de alma em riste
empenhados à loucura.
Muitos sabem ser da espada
a palavra final.
O chão caiado
com as flores moribundas
da buganvília
(não é um ladrilho da decadência
nem a agonia
cuspida da boca de um vulcão)
é o mosaico da imortalidade
o tapete púrpura
que recebe o corpo marmoreado
a invetiva contra a defunção.
(Ou a sepultura
a que apetece doar
o corpo desarmado.)
[Crónicas do vírus, DXLI]
Excessos de vontade
esbarram
na fraqueza da memória.
(Ou no esquecimento do tirocínio?)
[Crónicas do vírus, DXL]
Em força para as esplanadas
como os néscios
vão ao mar sem saberem nadar.
Quantos decibéis
tem a manhã
que fala em meu nome?
Todos
os que se amontoam
na véspera das juras
enquanto o tempo avivado
não se cumpre.
Quantos arco-íris
são precisos para a tela
onde tem estampagem
o rosto sem disfarce?
Todos
os que reúnem
as cores que as divindades orquestraram
mais as que junto ao inventário
enquanto as bocas ciciam
os segredos sem nome por perto.
[Crónicas do vírus, DXXXIX]
Filhos da impaciência,
endossamos a espera
para os juros de mora
do tempo sem garantia.
Efervescem as luzes
devolvendo os porquês
que nas trevas tinham cessado.
Sem saber da simetria dos cabos
uma enseada clara apurou o sortilégio
e erradicou o inverosímil adeus.
As luzes
na sua maturidade
acusam os vultos pela insónia rebelde
e não se atemorizam com represálias.
As luzes
que efervescem
são as mesmas que irradiam
das almas que não se rendem.