9.6.22

Embaixada

Sem mãos a medir

que a medida 

está pela hora da morte

e a morte recusa-se a entrar

em saldo.

 

O fundo do poço

não mostra o fundo

sem fundo de maneio

entre os meneios que se digitam

antes que o navio vá ao fundo.

 

A fala de que se fala

emudece e cuida da muda

de ser muda outrora fala.

#2423

Sou

este desajeitado pesar

a jura sem juro

um quarto

sem espelho retrovisor

um amanhã devolvido.

8.6.22

Contrato-programa

Des-sejamos:

altivos

burocráticos

piratas

impassíveis

calendários ambulantes

pioneses (meros)

rudimentares

planeadores de eólicas

pleonasmos pueris

povoadores do mundo

terylene

beócios (mesmo sem o saber)

mãos estreitas

paracetamol

barriga opada

sede olímpica

promotores da humanidade

(que topete!)

tutores

troca-tintas

algoritmo inconsciente

fala-barato (e silêncio-caro)

triunfadores narcísicos

absolutamente néscios

irritantes

(sobretudo de otimista lavra)

rebuçados de mentol

arquivistas (empoeirados)

e

banqueiros do tempo.

#2422

Amostra representativa:

benévolos que disfarçam 

o déspota que há em si

e déspotas

disfarçados de benévolos.

7.6.22

Fortificação

Casa forte

tatuada no dorso sem medo

amoedada na estirpe dos avoengos

tirada ao acaso

entre noviços entaramelados entre duas pontes. 

Forte a casa

a fortaleza de um labirinto

só combustível na ágil vontade desembaraçada. 

Casa

a forte

diadema arrematado 

na boca do avesso

a autenticidade de um jacarandá contemplativo. 

Forte casa

a fome de extinguir a fome

coreografia impassível 

ou apenas

o leve menear do dia vindouro

no cais amuralhado pelo nevoeiro demorado. 

#2421

Jogo

no fio da navalha

a latitude do deslimite.

6.6.22

Dever geral de silêncio

Na fila para pagar a gasolina

olhou de lado para o espelho

que mostrava a sua silhueta

em vez dos gelados adriçados.

Um silêncio insólito

incómodo

trespassava o estabelecimento.

Ninguém queria falar.

Sentiu a ponte levadiça

para a humanidade sem remédio.

Ele há tanta gente a querer falar

impedida por tiranetes a destempo

e naquele lugar

todos renunciaram ao dever de falar.

Como o copo está sempre meio vazio

percebeu:

quem não tem 

apurada coisa para pronunciar

que se remeta ao irremediável remendo

do silêncio.

#2420

Os nevoeiros teimosos

deitados 

sobre a cama do olhar

como gramática mutuária.

5.6.22

Salões das virtudes

Salta à corda

o vilão

traz disfarce apessoado

faz dele distinta pessoa

e as entorses à lei

escondidas numa funda cova

mesmo à espera de serem

sepultura. 

#2419

Absolvição pressentida

por conta

da memória futura.

4.6.22

#2418

Se temos

o Kilimanjaro

por que haveremos de querer

o Evereste?

3.6.22

#2417

Este tempo

é a paga em juros

do espelho do passado.

2.6.22

Desportos radicais

Do dédalo excruciante

arrastou o corpo 

ao pináculo da ausência. 

Servia o estado comatoso das coisas

como se fosse acólito cirúrgico

da decadência instalada. 

As nuvens limpavam o suor do rosto

e das gotas pendidas havia o orvalho;

os olhos desfocados rebatem as certezas

deixam os enigmáticos vedores

em coloquiais verbenas,

sem cinto de segurança. 

Há tempos

o amanhecer parecia estouvado

a claridade embotada a surfar no calendário

e as pessoas, 

como que absortas,

desaprendiam através das pautas rasgadas. 

Desse dia não houve memória. 

E nós,

artistas residuais

declaradamente intrépidos

(para não sermos reféns do sono)

metemos o arnês nas ideias

e acabamos presos na nossa pequenez.

#2416

Em império de beligerância

devíamos responder

com mil poemas por dia.

Não há ruas proibidas

Não há ruas proibidas

se as bocas desemudecem

no provérbio gasto 

das tiranias atiradas ao acaso.

 

Não há ruas proibidas

nem os passos se aquartelam

na coreografia colonizada

por mastins arrimados na enseada.

 

Não há ruas proibidas

nem concessões à fala

pois da boca há palavras-limão

ácidas como substância

contra os tiranos candidatos.

1.6.22

#2415

Desta terra ressequida

o sangue a destempo.

31.5.22

Cimento fraco = engenharia de rastilho

Cara XXXXX:

 

Como deve saber, existe uma data para a consulta de provas. Essa data é obrigatoriamente afixada pelos docentes quando lançam as notas dos exames em pautaPortanto, a consulta de provas já foi há uns meses. De acordo com os regulamentos da Universidade, depois da data da consulta de provas as mesmas são remetidas ao arquivo da universidade, deixando de estar disponíveis.

A estrutura do teste é como em fevereiro: quatro perguntas, duas das quais serão retiradas do ficheiro publicado na plataforma e-learning.

Se for necessário, estarei à disposição para o esclarecimento de dúvidas, quando se estiver a preparar para o exame de recurso.

 

Cumprimentos,

PVM

#2414

Luta livre. 

Luta, 

livre. 

Livre da luta.

#2413

Os corpos trespassados

esperam

pelos versos amanhecidos.

30.5.22

Sotavento

De um dia treslido

coube em arrevesada página

o esquecimento prevenido

no contratempo que se imagina. 

 

Fiz das tripas o pano delido

num ermo de sílabas que se congemina

e em vez do arrependimento havido

arrematei o salvo-conduto que germina. 

 

Às juras de ontem não dei um sentido

pois soube ser a minha própria mina

e dos poucos minutos levado o acontecido

 

se da alma extraí o que se comina

e já não sei do que é carpido

pois tudo se condensa na ironia fina. 

#2412

A dualidade de critérios

não deixa de ser

um critério.

29.5.22

#2411

É destro.

É maestro.

É lesto.

Verte o mosto.

28.5.22

#2410

Não há armas

sem guerras

que delas se munam.

27.5.22

#2409

E o oito

deita-se de lado

enfeita-nos

com quimeras.

26.5.22

As lágrimas nascem dentro das cebolas

As cebolas

fazem chorar

pessoas.

 

As cebolas

deviam ir

diretas

sem causar lágrimas

para os cozinhados.

 

Mas ainda 

não inventaram

cebolas

à prova de lágrimas.

 

Então se diga

que até

os mais pomposos

manjares

contêm

uma certa dose

de lágrimas.

 

Reforçando a tese

dos que vestem

o pálio

contra sal excedente

a destemperar

os cozinhados

e a matar gente

de artérias sobrelotadas.

 

Das lágrimas

sempre se disse

serem más

para a saúde.

#2408

Aferimo-nos

pelo perímetro da palavra

sem dicionário.

25.5.22

Pesca transfigurada em amor

(Mutilando “Sigamos o cherne”, de Alexandre O’Neill) 

Sigamos o cherne, minha amiga!

Desçamos ao fundo do desejo

atrás de muito mais que a fantasia

e aceitemos, até, do cherne um beijo,

senão já com amor, com alegria...

 

Em cada um de nós circula o cherne,

quase sempre mentido e olvidado.

Em água silenciosa de passado

circula o cherne: traído

peixe recalcado...

 

Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,

já morto, boiar ao lume de água,

nos olhos rasos de água,

quando, mentido o cherne a vida inteira,

não somos mais que solidão e mágoa...

#2407

Há aqueles dias:

Sísifo desperta da letargia

e toma conta do nosso nome.

24.5.22

#2406

Se é de boas intenções

que está cheio o inferno

por que fugimos, 

a sete pés e à corda toda,

do inferno?

Berbequim

Os mudos capatazes

mudam as lâmpadas ladinas

em abono da perspicuidade de seus mestres. 

Mudas consoantes ficam a adejar

e logo os penhores dizem

os mudas ou terás das mudanças novas. 

E se em vez de uma muda

os otimistas de serviço mudassem de aresta

seríamos todos os felizes mudos

poetas dos silêncios que não mudam

no abismo da palavra tenazmente abastada.