O malmequer
não pode ter querença
de nome de flor.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Se a voz sobe à parada
e desfila
como se entoasse
botas cardadas
a vil menção, desonrosa,
de todo o arsenal promitente
dos Homens saber-se-ia a sepultura
onde em estado terminal
se confundem com o selo de garantia
da sua grandeza.
Mas a voz é eunuca
partidária das fragilidades escondidas
um hino lancinante
ao desespero mascarado de afoiteza.
Nos teatros que não interessam
passeiam avinagradas falas
embotadas pelas balas dilacerantes
devolvidas
como vingança inadiável
sobre os beligerantes sem máscara.
Há lágrimas
que não são prantos.
Derramadas pelo céu
são mecenas do outono
(a preferida estação).
Se o primeiro milho é para os pardais
para quem será o segundo
(e o terceiro e o quarto e o quinto e)?
Desde o lugar onde estou
dou à dúvida o benefício metódico.
Dos cultores das certezas afiveladas,
pederastas dos des-saber,
fujo como se uma dissidência matriz
ditasse o sentido único
(e entro em contramão,
concedo,
por negação do metódico benefício da dúvida):
dos lugares-tenentes de tão ousada
ausência de dúvidas,
deles que já têm respostas no coldre
antes de haver tempo para o lugar das perguntas,
quero saber ser meu paradeiro
um antípoda lugar.
Dos empobrecidos espíritos,
macilentas imagens que se autorreproduzem
ao sentirem a sua proclamação
no espelho em que admiram,
quero ser antítese:
deste ensimesmar todavia autista,
em fuga dos predicados do muito mundo lá fora
tão maior do que a sua pequenez,
espere-se apenas
colheita sofrível.
Uma estrela cadente
não é uma estrela decadente;
uma estrela decadente
pode ser uma estrela cadente.
O que se joga depois,
as armas deitadas na vertical
dando estuque às paredes estilhaçadas,
e todas as luzes apontadas
ao luar seráfico que se agiganta contra o dia.
O que se joga depois:
as peças sublevadas
contra o despedaçado anfiteatro
por onde passam as artérias decadentes
o sangue vagaroso
as estrofes mundanas que se seguem
ao silêncio diligente.
Cortam-se a eito as arestas que doem
e fica o vazio
um imenso lugar à espera de paradeiro
à espera que o colonizem.
Não serei eu
o agente escolhido
que a minha vontade é indisponível
e da noite levo os cestos vazios
para depois neles juntar todas as mãos idas
e chamar ao medo os nomes mais feios.
Deixo a espada hasteada
para destroçar os peões,
a quem chamo mastins.
O que se joga depois
é só outro jogo à espera de vez.
As páginas
não são diferentes
de outrora,
contra as esperanças fermentadas
no melhor mel.
Feita a finta ao finório
faltava furtar ao farsante
o fruto fruste em fábula final.
Falei ao fiável
fugindo da frustração fiel
no fogo fermentado no facho fecundo.
Não é ao furibundo,
o furtivo francês em força fatal,
que a festa se afidalga:
o forte fundiu-se na fervura tão fútil
e a farda enfastiou-se no fácil farejo.
As portas duras
tiram a alfândega da letargia.
Dizem:
há fronteiras
outra vez
onde já antes tiveram praça.
Ao menos
sabemos
que o sangue não obedece
aos impedimentos dos burocratas
das almas derrotadas pelo nanismo
dos que metem baias nas pessoas
só porque têm diferentes falas
e culturas e costumes
e tornam essas baias em metáforas
de balas.
Quem inventou as fronteiras
devia ser condenado ao olvido
e rasgadas seriam
as páginas a eles dedicadas
na enciclopédia dos saberes.
Notas do dia:
a nortada
tempera o Outono
ainda madraço;
contra os impropérios
e outras miopias mentais
as bocas
todas as bocas
– sem exceção –
não podem
não devem
ser caladas
ou temos o dever de arcar
com não solicitados tutores
que apascentam a moral
que não lhes diz respeito
(a que a cada um pertence)?
a volumetria da acefalia
precisava de ir a termas
só para tentar uma cura;
Berlusconi foi retirado
do cemitério;
houve um rapaz
perdido no meio
de uma roda de bicicleta
furada:
jurou
como se fosse preciso jurar
que fora muito diligente
e jurou ainda
que não sabia como acontecera
a avaria
– e eu lembrei-me do “Avarias”
a maratona minimal repetitiva;
para honrar a rotina
(e a monotonia acrisolada)
o comentador-geral do reino
comentou
sobre variegadas pendências;
ao menos sei
que outubro vem depois de setembro
sem ao menos pressentir
nas sílabas de outubro
se este palco contínuo
risivelmente contínuo
se encerra na decadência do tempo.
A palavra de passe
do dia
é
remediar.
Não percebo
por que ainda ninguém inventou
gurus de autoajuda
para ensinar a sair de escadas rolantes.
Longa se torna
a estrada
no trono largo
em que tem estrado.
Neste estado letargo
tarda o lastro
e nas tornas se estuda
a litania estrénua.
Torna longa
a estrada
e larga no estirador
a trova que incendeia
o estridente lugar.
Sete
são as vidas
de um gato.
Ainda está por provar
o exercício cabalístico.
A paz recente
confiscada no dorso mau
os Homens em força bruta
sem a flor de sal como tempero
apenas o previsível caudal
tirado à força do coldre abastado.
A paz recente
miragem
subleva-se nos contrafortes do ultraje
virado do avesso
como boomerang que aterra
de cabeça
na cabeça do seu mandante.
Alguns
mais cínicos
chamam a isto
justiça divina.
Da argamassa como zelo
um oráculo do avesso:
amanhã é futuro
(dizem os evocativos)
e parece que se faz Outono.
A lousa será a cor a preceito
mas só quando a invernia
ocupar o seu lugar.
Entretanto,
não se esbanje o telúrico espetáculo
das folhas outonais que se desprendem
em vida disfarçada de decadência.
Não se omitam
das páginas emolduradas
as matizes acobreadas
que serão a gramática das florestas.
Este é o Outono
que apetece guardar
em fotografia de elevado mercado.
Os sonhos
coabitam na perenidade
que é interdita às vidas.
Os maiores tiranos
são os que ambicionam
nacionalizar os sonhos.
A máquina dos sonhos
é a maior invenção
de todas.
Não fazer ondas
para não se ser vítima
de um tsunami.
[Teoria do boomerang]