Assim
como um solipsista
desabrocha o território murado
regateado na geografia do eu.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
O diretor abusava do schnaps
num lugar onde ninguém sabia
o que era o schnaps.
Mas gostavam
que ele desse dois dedos de schnaps
pois ficava afável
deixava de deitar olhares de intrusão
nas senhoras
deferia a eito
e contava histórias anedóticas
sobre um seu alter ego
que não assumia ser ele
porque talvez tivesse vergonha
dele próprio
fora das imediações do schnaps.
O diretor
tinha trejeitos de germanofilia
mas nunca tinha ido à Germânia
mas dizia ser perito
nas variedades conhecidas de schnaps.
O diretor
assoava-se convulsivamente
depois de beber schnaps.
Bebia schnaps
primeiro às escondidas
depois escancaradamente
precisava de um aditivo
para ser respeitado pelos que tutelava.
O schnaps ganhou fama
e, sem que se possa dizer em público,
muitos e secretos admiradores.
A mascote mastigada
amofina o mastro amanteigado
mantém-se miragem
dantes mosto medieval
um amanhecido mural
que amesquinha o marasmo.
A mascote mirífica
mendaz como musas amestradas
monta nas margens imóveis
mercando o mar almiscarado
na métrica malsã dos maestros
os que molham as mãos nos mastins
e medram na macilenta maçã
miando contra as murças
que amaldiçoam os magos.
Cobrisse todo o ouro
o mar
sistematicamente
coibisse a humanidade
de mutilar a alma
ilegitimamente
contasse todas as lágrimas
a pele
desmortificando o dia
militantemente
cobrasse o rédito íntegro
sem a avareza dos luditas
a luva sortílega
avisadamente
cortasse toda a neve tardia
as alvíssaras
coloquialmente
sentadas sobre o soberano
sem trono.
A assembleia
é para
(nos fazer)
tolos.
É a barca dos fingimentos
e nós os idiotas lerdos
fabricando fingidores.
Dente por dente
vestimos a selva
e no lugar de um vulcão
no lugar de museus
e das grandes obras da humanidade
damos vida ao rosto da morte
à selvajaria de tirar as vidas do palco
só porque a vingança
faz as vezes
de lei.
Do dente ao dente
passamos do olho ao olho
até sermos todos
obreiros da cegueira
e já nem sabermos
onde estão os olhos outros.
Tingidas as lágrimas
na baía dos acasos,
na vez
dos destroços de um naufrágio
que adulteram o areal.
Dos náufragos
não há notícia;
se foram doados ao mar
deles
será a sepultura maior
um epitáfio com o salitre
como verbo.
Pelo meio do luar
as facas arquivadas no arnês
e só o luar
o bocejo apetecível da lua com boca grande
e uma pequena verruga numa das orelhas
afinal
apenas um piercing que a lua apostou.
A lua nunca diz adeus:
anoitece nas mãos gradas
e promete ser viável
enquanto o mundo se entretém
a dar umas voltas sobre si,
a transpirar saudades da lua.
Há quem diga
que a Terra devia ser o satélite da lua.
As vozes urdem o silêncio medonho
espreitam pelos poros das laranjas
como se por eles inventassem escotilhas
e condenassem o mar a ser um cais.
O silêncio já não é medonho
ao concorrerem as vozes gongóricas
um certame impraticável
onde todos falam
uns em cima dos outros
outros por cima de outros mais
num emaranhado de palavras demencial.
O silêncio é medicinal
quando deixa de ser medonho
e os mecenas
desfraldam os seus melhores tapetes
para receberem a gramática do silêncio.
O silêncio
recebeu o prémio Nobel
da igualdade.
Vamos
ao estado da nação
– ou
ao estado da noção
ou à noção do Estado.
Não seja pormenor a denúncia
os despojos não aceitam dádiva
sem o fermento que valida a demanda
e o exílio não conta para o currículo.
Amanhece o diadema
em conspirações avalizadas por druidas
não se consuma a poção macerada
ou os ossos puídos derruem.
O espelho fortuito desaprova a privação;
esperam-nos
comboios de mel
uma contígua alfinetada na angústia
os favos em forma de espada
e a boca que aguenta a obturação do medo.