Não há direito.
Se também
não houver
esquerdo.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Começo por uma metáfora;
um estaleiro
a imagem periférica da desarrumação
e todavia os operários aninham-se
num cais organizado
entre o cais em escombros
e a maré que beija os destroços
a lamber as feridas deixadas em legado.
O fósforo acende os acrónimos do dia
desmata
as estrofes coibidas por mastins esfomeados
mastins que arrumam as bainhas da ordem
para o anátema da remissão.
Não
não peçam a cor do perdão
a espuma demorada
que amarra no canto da boca
não arranjem desculpas
nem arrematem os mais generosos de todos:
os olhos répteis mergulham na floresta
esconjuram os cruéis mandantes da dissidia
terçando o florete contra os indefesos
arrumando nas mãos as vitórias fáceis
– as vitórias por falta de comparência.
No banquete dos indigentes
o que falta é modéstia
um verbete de temporalidade
e um pouco de voz apessoada:
fazem-se passar por mártires
dando-se à coreografia surda
que se prende à maresia:
o ocasional bocejo sublinha
a continência imperatriz
e as palmas troam em surdina
como metáteses do aplauso:
não lhes falem em medo
os ouvidos fingem o esquecimento
e o futuro apalavra o fingimento do tempo
exatamente como se uma divindade
tivesse ordenado a suspensão dos relógios.
Que sejam ateadas as estrofes mundanas
os profetas em barda
ficando nas filas terceiras
os eruditos sem microfone já de garganta puída
e todo o clero pavoneando as fátuas fatiotas
numa procissão de falhados.
Se não fossem as vozes guturais
o silêncio era a marca registada.
Vozes improfícuas
adoçando as folhas do calendário
assim como um pai adoça o rosto da filha
avançam destemidas contra o mar cavado
e prometem:
um dia destes
(é sempre um destes, inseguros, dias)
voltaremos a ser a grandeza que esquecemos.
E ninguém
percutiu os lábios amansados
só para perguntar
o que importa
a grandeza.
As paredes tinham o musgo inglês.
Aquele lugar era trespassado pela humidade.
Os ossos desdoíam quando contemplavam
a colonização dos degraus pelo musgo,
como formava socalcos improvisados.
Há colonizações apreciáveis.
Ao cuidado de todas as cidades
que se chamam vilas:
por que não deixaram de ser chamar vilas
quando foram promovidas de patente?
Corta o mato:
os muros ladeados por urze
combinam os espinhos que ferem a boca:
não se costuram os dedos no céu da boca
o modo do medo amoeda-se no murcho dia
e as espadas são arrumadas na página pretérita.
Cortas o mato:
e depois de cotiado
o chão pedregoso à mostra
chora por um tapete
protesta contra a nudez.
Assim é com as coisas involuntárias
– ou melhor dizendo:
as coisas impostas à vontade;
a elas
não aderem os modos fáceis
nem se espere que sejam tribunas
de altares sumptuosos e seguimento numeroso.
Se deixasses estar o mato
não desautorizavas a natureza.
O tímido veio avança pelos carris
rateia as intenções por ordem de chegada
e devolve ao mundo o magma sobrante
despojado que foi pela maré limítrofe.
Não se distinguem os bravos dos demais.
Não há de ter importância:
a lava que vem em bicos dos pés
estende-se vagarosamente
como lençol freático
arrancando toda a vida à passagem
sem tempo de funerais.
Se é pela ordem de chegada
ninguém cumpre a pontualidade
(enfim justificada).
Corrige-me se estiver certo:
os gelados também se comem no Inverno
como os verbos admitem
um passado pela frente
e árvores há
que teimam numa folhagem frondosa
ainda que o calendário traduza o Outono.
Corrige-me se estiver certo
que posso nem estar
certo de precisar de um corretivo.
E se achares que estou errado
deixa estar
que deve ser quando mais perto estou
de estar correto.
Desfaz
o espelho embaciado
com a doce voz dos teus dedos.
Fabrica
o sol ancião
enquanto o dia terça
um lampejo de luz.
Embebe
no nome da manhã
a força bruta da lava arrancada
ao espírito dos deuses.
Anota
em papel requintado
o paradeiro da vontade
e mente
(se preciso for)
aos tribunos que se apessoam
na frivolidade limítrofe.
Traz ao areal
a espuma hasteada pela maré
e amansa a angústia acastelada
na trovoada amordaçada.
Ferve
com os dentes em ebulição
as ofensas em banho-maria
e devolve as suas matriarcas
à casa da partida.
E prepara
a bebida na véspera do anoitecer
para fingir os pesadelos amarelecidos.
Não me deito na luz desmaiada. Tenho dentro de mim o crepúsculo que se dá a verter na falésia sem nome. O avesso da claridade avulsa no relógio perdido, uma jura de memória cumprida. Um estuário intemporal.