10.7.24

Sobre as coisas mundanas

Começo por uma metáfora;

um estaleiro

a imagem periférica da desarrumação

e todavia os operários aninham-se

num cais organizado

entre o cais em escombros

e a maré que beija os destroços

a lamber as feridas deixadas em legado. 

O fósforo acende os acrónimos do dia

desmata 

as estrofes coibidas por mastins esfomeados 

mastins que arrumam as bainhas da ordem

para o anátema da remissão. 

Não

não peçam a cor do perdão

a espuma demorada 

que amarra no canto da boca

não arranjem desculpas

nem arrematem os mais generosos de todos:

os olhos répteis mergulham na floresta

esconjuram os cruéis mandantes da dissidia

terçando o florete contra os indefesos

arrumando nas mãos as vitórias fáceis 

– as vitórias por falta de comparência. 

No banquete dos indigentes

o que falta é modéstia

um verbete de temporalidade

e um pouco de voz apessoada:

fazem-se passar por mártires

dando-se à coreografia surda 

que se prende à maresia:

o ocasional bocejo sublinha 

a continência imperatriz

e as palmas troam em surdina

como metáteses do aplauso:

não lhes falem em medo

os ouvidos fingem o esquecimento

e o futuro apalavra o fingimento do tempo

exatamente como se uma divindade

tivesse ordenado a suspensão dos relógios. 

Que sejam ateadas as estrofes mundanas

os profetas em barda 

ficando nas filas terceiras

os eruditos sem microfone já de garganta puída

e todo o clero pavoneando as fátuas fatiotas

numa procissão de falhados. 

 

Se não fossem as vozes guturais

o silêncio era a marca registada. 

 

Vozes improfícuas

adoçando as folhas do calendário

assim como um pai adoça o rosto da filha

avançam destemidas contra o mar cavado 

e prometem:

um dia destes

 

(é sempre um destes, inseguros, dias)

 

voltaremos a ser a grandeza que esquecemos. 

E ninguém 

percutiu os lábios amansados

só para perguntar 

o que importa 

a grandeza.

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