5.8.24

Injustiças indocumentadas (413)

Seria mais catastrófico

condenar alguém 

ao diabo a oito.

#3236

Entre o ser e o ter 

um interminável haver.

4.8.24

#3235

As nuvens 

são o acabamento em falta 

para este dia baço 

e interminável.

Injustiças indocumentadas (412)

Há mais pipas

do que massa.

 

[Uma espécie de decadência, à aristocrata]

3.8.24

Injustiças indocumentadas (411)

Mote: “Economia arrefeceu em pleno Verão”

 

A economia não gosta de calor 

– ou aprendeu a ser termostato,

perita na compensação.

Injustiças indocumentadas (410)

A culpa

não vai ficar impune.

À multa

não vai ficar imune.

#3234

A caducidade da coreografia 

entalha a sensatez 

no rosto liofilizado de disfarces.

2.8.24

Tubo de escape

Um escaninho sazonal

emancipa-se da postura municipal

finta o fiscal da obra

e com audácia

aldraba o agente da polícia.

 

Dantes

quando havia polícia montada

era pior do que nas touradas 

– a aritmética dos boçais 

em preparos de matiné sanguínea;

agora

por ser agora

e não agoirar a modernidade

a polícia anda desarmada

e não se faz saber

pelo punho das estatísticas armazenadas

que a desordem tenha subido

para a sela da anarquia.

 

“Manda a verdade”

 

(dizem os apóstolos dela mesma)

 

a rebeldia é o cunho dos inexperientes

e sagra-se

com a sazonalidade consanguínea. 

Injustiças indocumentadas (409)

Fala barato 

o fala-barato 

não pode aspirar 

à volúpia do luxo 

e às dispendiosas palavras 

dos que reclamam o pódio 

da erudição.

#3233

Se é este 

o entontecido escape da memória 

antes sejam convocadas 

as alvíssaras do futuro.

1.8.24

Imperadores do futuro

O roteiro não se faz sem passos em falso

na didascália que dá de beber 

às nossas dúvidas.

Aparentemente

o sol esconde o magma fundente

e nas artérias corre o sangue amotinado

como se estivesse de atalaia

para as batalhas vincendas.

Depois 

há o estrume nas bocas insultuosas

o banal verniz que se abandona de rebate

os poços de morte nas mangas avulsas

um torniquete que aperta os olhos mastins

e as tornas 

que validam o passaporte do futuro.

Não seremos bandeiras à mercê de marés;

não seremos

os bombeiros involuntários 

que escalam montanhas íngremes;

seremos, 

a crer nos ventos dominantes,

ascetas que bebem o vinho novo

sem concessões à letargia

e às danças sem parafuso

que sobem à praça centrípeta.

#3232

Tão vetusto o mundo 

e ainda preso à infância 

de tão inexperiente.

31.7.24

Homem em terra

As premeditações de Ícaro

brandem contra os ventos 

que fustigam cemitérios.

 

Rugem os mastins domados

suplicam pelo verbo pretérito

o véu onde assentava o seu domínio.

 

No mais alto promontório

as divindades seguram o rochedo

vestem-lhe o arnês entesourado.

 

O precipício jura o adiamento

e os braços apuram o beijo do escorpião

no amparo da desonestidade em extinção.

Injustiças indocumentadas (408)

Ora

nem dos fracos 

nem (ó diletante surpresa) 

dos fortes 

ora a História, 

que a História 

não sabe orar.

#3231

Ah! 

benevolentes déspotas 

que dispensais os suseranos

do incómodo do voto.

30.7.24

Injustiças indocumentadas (407)

Paninhos quentes: 

vem mesmo a calhar 

com este calor de ananases.

Injustiças indocumentadas (406)

Jogos olímpicos;

eliminado,

o adjetivo mais frequente.

#3230

Está por emoldurar 

o trovejar das palavras 

quando alguém diz 

“ainda por cima”. 

29.7.24

Rios

Os rios

de uma maneira ou de outra

são todos afluentes do mar.

Assim podem atestar

que as angústias todas

ficam condenadas à lassidão

mal tocam no rosto do mar.

#3229

No avesso do remorso 

o panfleto da certeza.

28.7.24

#3228

Às talhadas 

com parcimónia 

o dia servido 

no cálice de ouro, 

medindo trinta e seis horas

(sensivelmente).

27.7.24

Injustiças indocumentadas (405)

Vendeu

a alma ao diabo. 

Só não se sabe 

se foi em hasta pública.

#3227

O povo 

raspa, raspa, raspa 

bem raspadas as raspadinhas, 

pudesse ele raspar daqui para fora.

26.7.24

Injustiças indocumentadas (404)

O (meu) descontentamento 

com o Verão.

Injustiças indocumentadas (403)

O “bem maior” 

mede mais de um metro e oitenta e cinco?

#3226

Compreendia-se 

então 

o assoreamento da alma 

tantos os labirintos que a sitiavam.

25.7.24

Injustiças indocumentadas (402)

À atenção 

da multidão de peritos em inglês 

(tomo 3):

 

Engaged

não é

engajado

 

(a menos que queiram

que noivado

seja engajamento).

Injustiças indocumentadas (401)

À atenção 

da multidão de peritos em inglês 

(tomo 2):

 

just in case

=

apenas no caso?

#3225

São as crias que crias,

o emolumento bastante

das palavras a nu.

24.7.24

Garrafa ao mar

Sou

como uma garrafa 

possivelmente enjeitada e deitada ao mar

sem saber 

o paradeiro do marinheiro

sem saber

onde a garrafa foi rejeitada

sem saber

se a garrafa esconde no seu interior

enigmática ou não mensagem

ou apenas mensagem alguma.

 

Ou sou

como o marinheiro angustiado ou não

que enjeitou a garrafa

ou apenas a entregou nos braços do mar

por enfada com a rotina

ou, talvez,

porque a garrafa apenas fugiu das mãos

devido ao excesso de álcool.

 

Ou sou

como o anónimo que longe ou perto

alcançou a garrafa

e, vá-se lá saber,

ficou indiferente

ou a desalfandegou da estadia no mar

para saber

se escondia um segredo

ou um tesouro.