Arremato
ao sonho atrasado
o palco sem sombra
e remo sem medo do sono
pelo caudal feito pelas mãos tutelares.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Arremato
ao sonho atrasado
o palco sem sombra
e remo sem medo do sono
pelo caudal feito pelas mãos tutelares.
Sou a tua mão que sente o tremor quando o luar se esconde por nós. O cais que sabe por ser a manhã que enfeita o olhar. Sou essa porta à procura de moldura no vento desafiado pela noite sem mordaça. O destino que responde por outros destinos. Uma vaga lembrança do futuro, escrito na combustão das sílabas, na saliva tatuada na pele. A estrofe, que sussurra a maresia que deixamos sonhar por nós.
A voz assanhada
entreabre os poros
e impetuosa abeira-se
dos vadios sem rosto.
Conta enredos mestiços
na cortante intimidade
em que se levantam os olhos
um contrabando sem pena.
Ávidos de histórias
os mecenas retiram fração
de um êxtase sem parágrafo
a moldura para memória futura.
No trono das desfeitas
contam-se os contratempos
a usura que nos mete em bolsos
numa despátria que agradecemos.
Teces as lágrimas
no mosto da maresia.
As avenidas largas,
o idioma que atravessas
no musgo que se aviva nas pedras antigas.
No rumorejo da manhã
arrematas a esquálida impressão da angústia:
não te demovem os fantasmas
que à revelia se entontecem
com as estrofes que saem da tua boca;
se pudesses
calavas os indignos que cavalgam nas notícias
a única forma de censura admitida a concurso
para às pessoas legares
o des-pesar da alma arqueada.
Não dás ao sono uma capitulação.
Se não puder ser pelos modos propostos
será com a mediação do fingimento.
Nessa altura
todos saberão o segredo
do exílio sem mudar de pertences.
Um litro de farsa,
era
por obséquio.
Sentia o sangue impronunciável
a querer meter o gancho no garrote
para não escorrer num frenesim escolástico
até atingir
o imperturbável estado de estátua;
antes que fosse possível
as vendas foram consumidas por térmitas
o do coldre saltou
excitado
o revólver acusado:
e todos aceitavam
antes fazer de conta
do que contar
cadáveres daqueles com direito a sepultura.
Depois disso
alguém bolsou consoantes
(as vogais ficaram a cimentar as proteínas).
As náuseas
não são objeto de disfarce.
Por conta dos dedos
que amaciam o dia
como se a pele sonhasse
com os sonhos avivados na carne.
Se são atirados os dados
e uma confissão amanhece
em vez das paredes caiadas
avivando mentiras hibernadas
o tecido anquilosado
ou as bermas que não chegam a páginas
fingem os fingimentos
os fígulos sem juras anotadas
no célere embasar da lua admirada.
Agarrados à loucura em embrião
somos mediadores dos disfarces
os melhores embaixadores do não-eu.
As aldeias falam cedo de mais.
Balbuciam as palavras perdidas
as que as viúvas apanham do chão.
Das artes deixadas sem legado
torna-se o futuro procurador;
as horas socorrem o enfado
e os velhos já não se arrastam
nas mesas dos cafés
na língua comprida
de quem muito a exercita
na viuvez dentada que arpoa outro dia.
São estas suíças mal aparadas
e os xailes descuidados
que rimam com a canseira da velhice.
Os outros
ainda só aspiram ao envelhecimento,
tão ingénuos e inglórios.
Despejo o fogo perdido no coldre puído.
As entranhas sacodem as orações avulsas.
Não foi em vão o destino à míngua de bússola.
O amanhecer irradia os rostos adiados.
Alguns fazem-se adidos das esculturas perenes:
se pudessem também eram perenes;
se soubessem, antes ficassem como são.
Os arruamentos são como muralhas;
escondem dos corsários as incontinentes misérias.
Escondem-se envergonhadas pelo que não são.
Fogem dos dias alumínios que roçam as arestas.
A carne viva cuida das cicatrizes
no provável silêncio.
Não são a matéria apodrecida que dança
no avesso das ondas.
Não são o ciciar espectral que denomina o medo.
O xisto endurecido é a cama para a fala continua.
A encomenda dos pesares não precisa de procurador.
Destemidas as almas que voam no sonho dos dias
no lugar onde o medo se extinguiu
e o arnês ficou vago.
Há os que cantam
e seus males espantam
e os que cantam
e em nós males semeiam.