O nariz do corsário
ainda não aprendeu com a mostrada.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
A leveza da tarde
entre as árvores que renascem
e o rumor que evoca as falas limítrofes
levita no palco onde se aformoseia o dia.
Como se fosse uma anestesia
e em redor tudo deixasse de contar
os olhos fechados entram no exílio
desenham os contornos de um lugar singular.
Não se perfumam as armas de outros arsenais
não se tatua a desconfiança na melancolia
não se levantam as ondas iracundas
numa maré acostumada por ventos adestrados;
as ruínas escondidas
avalizam o tempo furtivo
rivalizam com os destroços avulsos
que não são despojos.
Se der à noite o que ela impetra
– um quarto sombrio onde vagueiam as palavras
o luar logrado pelas nuvens acamadas
um rasto de sobriedade que povoa a lucidez –
sinto a redenção a medir as veias
e sei que sou tutelado pelo sono seguinte
enquanto o amanhecer se prepara
na fábrica dos sonhos.
Tanto se elucubra
sobre a guerra comercial
e ainda ninguém se lembrou
de tarifar a guerra.
É a maresia que adocica o dia
à medida que o relógio se adianta à luz
e os desacontecimentos se orquestram
no idioma válido.
Diziam
que somos todos derrotados
mas não acreditei;
está é uma teimosia cara aos vencedores
um cálice bordado a ouro para o melhor néctar
as pétalas encimando as pálpebras prístinas
e outros modos de falar
que passam pelo silêncio.
Tomo o entardecer como solução para as dúvidas
sob a tutela de um copo de vinho
a espada para desfeitear o dia tumultuoso
à espera que a maré encha
no recobro solitário dos verbos desarrumados.
Esta é a fértil absolvição imprevista:
o revólver vazio
acompanha a solidão da noite.
Ainda bem que não há vítimas
no perímetro sob a tutela do olhar.
E depois havia aquele notável
que, cansado de o ser,
suplicava
“quando for pequeno”.
Tomamos conta do luar
apanhamos de cor
as pétalas que levitam
e dançamos os verbos encantados
que nascem no sangue amotinado.
A senda aberta
o grande temor do mundo
arrancado aos ferros ferrugentos
amacia as palavras que se estilhaçam.
Podemos dar nomes a vulcões
ou apenas ficar à espera do luar
enquanto afastamos o crepúsculo
com as costas das mãos.
Podemos assentar os olhos no devir
amassando os verbos até serem pródigos
e cortejar os jacarandás
até que se tornem nossa bandeira oficial.
Podemos desejar os versos por fazer
sermos arquitetos da poesia sem estribo
ou apenas darmos a voz colossal
ao palco onde se emancipa a fala.
Podemos fugir da noite fria
empunhando as mãos enlaçadas
que fruem no hino magistral
enquanto vemos os dias em roda-livre.
Podemos ouvir o rumor das rugas
o silencioso penhor que não recusamos
e estender os passos ao tamanho do mundo
no calendário sem regras que levamos nas mãos.
Permanente contratempo
a égide dos olhos tomados pelas nuvens
e lá fora
a multidão sem protesto por falta de causa.
Logo que os tribunais dos sentidos
ganhem sua pausa
peço à lua um chapéu sem abas
para do luar pedir duas estrofes de empréstimo
enquanto finjo um sono improvável
e escuto as falas que se entrecruzam
no reino destronado
por conta da avenida dos heróis sem nome.
Não se diga
que há carestia de palavras.
O poema arredondado
sobe no crescente diurno
emoldura o rio prateado
como se fosse medalha olímpica.
Rasuradas as lágrimas
extingue-se o vulcão da memória.
Agora somos só nós
uns braços sem arestas
e a visibilidade da manhã fria.
À sorte
pedimos a água que afasta a sede
uma maré sem nome
que se alista no cais sem prescrição.
Dizemos adeus
aos fantasmas diletantes
e no compêndio da fala
convocamos as bocas sem mudez
elas em forma de poetas
embuçando o exército de párias.
Das pistolas puídas falam os párias.
O sol posto sobre as entradas
um embaraço aos estetas
como um campo minado
por ferramentas amolecidas;
já nisso andam os pastores
desde a alvorada anterior à própria alvorada
o pecaminoso joelho em cima da luz ríspida.
Depois
entram os cavalos desempossados
consomem a saliva irada de quem foi abandonado
impunemente desbaratando a liberdade herdada.
São tantos os contos
que se atropelam na tela do pensamento;
não chega todo o vocabulário
nem a medida do tempo parece combinar
e a trovoada como pano de fundo
mistura-se com o rumor do fino fio de água
que é ainda véspera de um rio.
Avançam
sobrepostos a uma meada de nuvens
os braços frenéticos que falam de segredos;
avançam
reféns da sua ordem meteórica de acasos
e nós
desde a plateia
esboçamos um coro esforçado
não escondemos o olhar seráfico
que se antecipa ao sono tutelar.
A participação na dança
não
o esmero nos socalcos
onde se aformoseiam palavras
sim
o sulco na costura do Sul
talvez
o lugar embaciado
que desfalece no colo sentinela
não
o tira-teimas
contra teimosos incorrigíveis
sim
de malas aviadas no porão do futuro
talvez
e depois o grotesco pesar
que grita por dentro de vozes sombrias
não
o logro defenestrado
no óbice dos mastins profissionais
sim
e um adiamento sem deusa
apenas critério
talvez.