12.4.18

#538

“Dona-isto, dona-aquilo”,
tratam-se as empregadas de limpeza
na mesa ao lado. 
Tanta cortesia,
que davam para diplomatas.

#537

Se a verdade se descobre 
com um engano,
a mentira descobre-se 
com uma certeza?
(Sobre quatro categorias voláteis)

11.4.18

Sinais de fogo

Somos nós 
que encenamos
a chuva do horizonte
nas facas em combustão que matam
os feiticeiros.

Somos nós 
que enfeitamos
as cumeadas crestadas
o sextante da sabedoria
por entre a aridez imperatriz.

Somos nós
entregando as mãos adestradas
que compomos o hino sem estrofes
na praia varrida pelo vento.

Somos nós
intemporais congeminações
o ouro sentado nos corpos
sem mão na claridade que irradiamos
sem o jugo de interpostas entidades
nós, 
cadeirões encimando o miradouro,
a separar o fogo das cinzas em combustão
à espera da terra fria
no sopé do cabo do fogo.

Somos nós
que nos ouvimos no templo
desenhando as nuvens em forma de céu.

#536

Revoltado,
o magnata fundou
o sindicato dos opressores.

10.4.18

Prefácio

Não serei
lágrimas, suor,
sangue
(o famoso tríptico);
serei arranha-céus
miradouro aberto aos lugares viveiros
fonte farta de fria água
o compasso equinócio
paredes-meias com o olhar viável
o esteio fundacional.
Cais seguro
e suor e lágrimas
e sangue
no modesto desprendimento
no amplexo em que temos quarto
e somos braços enlaçados
no olhar não furtivo
no resgate do prazer
no amor sem amuletos.
Serei
trovão interno
o peito desarmado
navio sem escolta
jardim extático
oásis servidor de água
uma voz funda
o rosto sincero
enseada aformoseada pelos versos
desmedida essencial
mãos tecedoras de ternura
juízo sem lei adstrita
oráculo sem a medida do porvir
mar desarmadilhado 
astronauta docemente louco
vulcão vertido num glaciar sentado
tutor dos reinos sem terra
penhor das quimeras por desenhar.

#535

Manifesto anti-nostalgia:
como é bom
o tempo que passa.

#534

Os pretensiosos culturais
não merecem mais 
do que duas palavras.

9.4.18

#533

A tua nudez
santuário
suor e lágrimas.

Trunfo

O berço 
viveiro perene
húmus irradiando seu sol próprio. 

A ponte
contrato sentinela
semente transfigurando as veias frias. 

A árvore
esteio fundo
braços tingidos na maresia distante.

A casa
santuário centrípeto
muralha convocada no refúgio imperativo. 

A promessa
museu labiríntico
vento murmurado nas costas da maré. 

O canto
sereia habitada
crepúsculo segredado no ouvido quente. 

A boca
armadura matinal
desejo emoldurado no seio intumescido.

A página
socalco íngreme
desafio atirado à erupção devolvida.

O muro
repúdio substantivo
âncora presa no cais lamentável.

O paramento
jura assenhoreada
planície esquecida no país atávico.

O rosto
bastião singular
fértil seara de raro centeio.

A ideia
prisão domiciliária
lastro reinventado na lareira acesa.

O mar
chão desalinhado
navio armilar em demanda agigantada.

A manhã
radiografia vespertina
mercado triunfado na macia pele.

#532

O chapéu aloja 
uma miríade de lugares
o ubere das ideias em seu digladiar.

8.4.18

Enquanto

Não sigo o clamor
no antiquado lenço gasto
e durmo o sono inteiro
fazendo da noite minha testemunha. 

No sopé das frases feitas,
proezas chamadas aos seus autores;
prefiro a glosa das palavras vazias
o fogo fundido no olhar sem freio
em meneios originais
contra ladainhas 
que repetem todas as vírgulas
e têm o mesmo lugar sentado. 

Portanto:
tiro do espelho as medidas
e do fundo do poço
sinto a estatura maior 
tomar conta de minhas medidas.

#531

Saio do perímetro
em que me aprendi
no melífluo proveito do alter ego.

7.4.18

O buda parlapatão

O buda nada esfíngico
arrota sapiência bolorenta
estica a laca da casta,
seu dedicado servidor
seu autoinvestido tutor,
seu cultor de ritos 
– que o altar da sobranceria quadra 
com elevada sinecura abarbatada.
O buda de curta memória
esfola os possíveis rivais
nem por lhe ser dado a saber
que não serão concorrência à altura
não por causa de sua meã condição:
às regras obtusas impute-se o delito,
o manto protetor dos budas e afins.
Mas o buda persevera.
Seus são fantasmas apenas quixotescos
e oglareda casta vetusta.
O buda apalavra sapiência
por inerência estatutária 
– como quem diz: 
assim é porque sou o primeiro do escol
o tiranete que cavalga por cima de preceitos
e se unta na condição de as mudar
se a mudança quadrar com sua vontade.
Palavroso e vazio,
sapiência na inversa proporção
da balofa condição,
ostenta a farda da casta 
– certidão que chegue 
para atestar autoridade de intelecto.
Não deixa de ser buda
e não deixa de ser parlapatão
em mal disfarçada usura
de estalão embolsado à margem do engenho.
E assim se explica
o buda parlapatão
ardina dos ardinas
comezinho charlatão
meirinho temente dos concorrentes
que o são como os gambozinos.

#530

Matemática em silêncio:
o coiote vadio
a roer a corda ao tesouro.

6.4.18

Garantia

Dizia-se:
não são as sombras
o penhor das mãos trémulas;
não são as ondas
adamastores foragidos 
na descompostura da noite;
não são as adagas desembainhadas
oráculos onde fermente a lucidez.

Dizias:
não é na penumbra 
que se esgrimem as teias do tempo
ou os oráculos infundados
de onde se avistam 
as cavernícolas traves da mentira.

Dizia:
não é com desmodos
que se levantam as nuvens férteis
nem os seus abencerragens merecem
sequer
a cozedura de um verbo sem lustro.

Dizia-se:
são os artesãos dos sentidos
tutores de bustos grados
das letras não triviais
de um módico de viabilidade intrínseca
das frutas nos pomares onde somos vida.

Dizia:
deixamos o olhar refém
das escotilhas por onde arde a maresia
e agarramos os versos inspirados
contra a desdita dos ergástulos.

Dizias:
sabemos os lugares desempoeirados
as livrarias da alma
e seguimos atónitos as convenções desusadas
compondo em linhas arrevesadas
a prosa que nos cimenta
muralhas de nós mesmos
no enredo cautelar
de que somos
narradores e intérpretes.

#529

Não guardo aplausos,
exíguo roteiro extinto
no olvido metódico.

5.4.18

Seminal

Bebo no orvalho
a cor do futuro
sem espera que não seja a espera.

Corto ramos desprendidos
diligente no regresso a casa
diante das veias assaltadas pela volúpia.
Depois
na contagem dos poros suados
no inventário das mãos atadas
componho o sol vertical
no pretexto de viagens lembradas
dos lugares emoldurados na memória.

Corro 
contra as paredes altas,
não sei se são muralhas 
ou um lago disfarçado;
corro
apanho os autocarros que trazem versos
ensino os vagos rumores segredados
destrono lugares-feitos
assino páginas e páginas contra o torpor.
E no orvalho fresco, 
matinal,
enquanto houver,
encontro auroras boreais
uma janela piramidal
cestos de flores secas
crianças que por nada saberem
são as mais sábias.

Aceito o efémero
a caução do tempo selada a tinta invisível:
sei que não há lugar para as lágrimas
sublimadas no orvalho da manhã.

Agora 
tenho os braços livres
o corpo inteiro 
a pedir a água dos mananciais
e mais páginas a eito por tingir
os versos à espera
a alfazema silvestre como paisagem-tela
e a noite 
como lição inteira.

#528

Não tinha fogo para apagar
no estio chuvoso
de minha alma.

4.4.18

#527

Deixa que te conte
os segredos dos sonhos
para sermos seus diletos atores.

Não alinhado

Não sei dos entulhos
maré dominante;
náuseas são sua linhagem
e nem prebendas e sinecuras
agitadas por teatrais testas-de-ferro
congeminam mudança dos termos 
em que as coisas medram.
Não sendo
vendilhão
asceta da conformidade
titular de ideias banais
carne para canhão de conspirações alheias;
e não aderindo
a modas
às palavras matraqueadas e fúteis
com a benevolência das multidões
ou a divãs imperativos;
nem dando ouvidos
às serpentes ludibriosas que acenam
com sua língua bífida
o veneno disfarçado da mortal congruência:
proclamo:
não alinhado
mesmo na aresta viva do repúdio
da solidão destinada
no varejo metódico das algemas recusadas.

#526

De que espessura é este entardecer,
como se abraça a penumbra tenente
ao corpo insatisfeito?

3.4.18

Fortuna

Cortejo as palavras
na coreografia redesenhada
no salto em frente
duas léguas por cima do precipício
e tenho na chama da lareira
onde crepita a rendição do simbólico
alimento filial.

Reveem-se os caudais fartos
onde navegam vocábulos enquistados
vocábulos à espera de reinvenção
(à espera da alforria)
na gramática que abre o peito 
à imoderada lógica rompendo bastiões.
Não sossegam os dedos famintos
na insubmissão das palavras áridas
da tela sem cor a devorar a imaginação.

E as palavras sucedem-se
insurgem-se
lutam contra seu sopesar
deslimitam-se no sopé das fronteiras
desarmadilham-se das poeiras atávicas
falam idiomas versados no novo
idiomas falando entre si.

Cortejo as palavras
na fértil paisagem do pensamento
e sei
que as palavras de hoje perdem sentido 
no turbilhão da memória futura.

#525

Tenho o corpo no diabo
e a chave perita algures,
em falésia erma.

2.4.18

Arranha-céus

Deixo a voz
no cabaz do silêncio
onde se junta aos murais mundanos.
Pelo caminho
congemino as estrofes diletas
os pergaminhos sem inventariação
e a boca morde a corpulenta montanha
à procura de água.
Deixo a voz
dar em si o gutural anúncio:
um silêncio sagaz
com a cor das ligeiras ondas
que sondam a superfície do mar
enquanto da maresia retenho
a raridade de um alfabeto por inventar.

#524

The client is always wrong.
(Company’s new policy).

1.4.18

#523

Contar uma mentira às mentiras
conta para o primeiro de abril?

31.3.18

Skin deep

Como uma tatuagem
a tinta da China em pele minha
a tua pele.
Não a segunda pele
pele parte de mim
no estuário largo onde nos depomos
na filigrana forte dos vasos
onde o sangue nosso entra em combustão.
Recolho da pele funda
o eu que sou tu
fusão a quente
diadema incomensurável
avenida de perder de vista
o colo em minhas, tuas mãos
vinho fértil espreitando o calendário
promessa resgatada no peito quente
selada na mais funda pele
regada com a carne imparável de desejo.

#522

Whether the weather is better
talking the weather is whither.

23.3.18

#521

Sobre a falésia
sobra a emenda ajuramentada
a grande farsa.

22.3.18

Contador de histórias

Oxalá
as pedras perdidas
contassem histórias.
Oxalá
as pessoas por que passo
fossem histórias avivadas.
Teriam o aval dos curadores da memória
e apreciação bastante nos círculos demais.
Pois de histórias somos feitos:
no esgar de um sonho embaciado
no parapeito da imaginação agitada
na púrpura luz de que é feito o outrora
nos enredos, patranhas sem maldade.
Oxalá
as histórias contadas com arroubo
fossem a avença do tempo
e não houvesse lugar para ocupar o resto.
E dos corpos transidos
autêntica anestesia de tudo
se desprendessem
palavras fétiche
palavras armadura
palavras sem medo
palavras verossímeis
palavras serpenteadas
palavras
no estonteante precipício das emoções.