Cheia vai a barriga
de genuflexões e elogios
todos bastardos.
Dizem:
o que importa?
Mesmo sabendo que são uma farsa
justamente por deles se saber
serem uma farsa.
Dizem:
para hipocrisia
hipocrisia e meia.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Cheia vai a barriga
de genuflexões e elogios
todos bastardos.
Dizem:
o que importa?
Mesmo sabendo que são uma farsa
justamente por deles se saber
serem uma farsa.
Dizem:
para hipocrisia
hipocrisia e meia.
Quero dar-te uma palavra;
não espero que gratifiques
tão longânime desprendimento.
Pede o silêncio
que não se faça pouco
da tímida luz.
Não é encenação
e mesmo que fosse
ao teatro perdoa-se sempre
o palco de fingimento.
Fica a mordaça
entregue às palavras
que não chegam a ser ouvidas.
O silêncio esconde-se
nas ameias guardadas
por espartanos fiéis
os que juraram arremeter
contra os gongóricos.
A palavra breve
monástica
tem mais a dizer
do que a prolixa tempestade
que as atira, intermináveis,
para o lugar onde irrespirável
o ar se amaldiçoa.
Agarro o dia pelos colarinhos
desafio-o
a ser o lado visível da coragem
a sair do lodo em que se consome.
As flores não se escondem nos canteiros
nem quando a tempestade vira tudo do avesso:
o dia
não pode ficar por menos
só precisa de ser agitado
fortemente convulsionado
pelos colarinhos
para se libertar do torpor suicida.
Ai do dia
se sobrar impávido
e os colarinhos vierem puídos:
ainda confiamos no dia
não precisamos que ele seja embaixador
da apatia que nos condena
a vegetar sem ânimo de coisa diferente.
O que há a dizer dos amigos do alheio
são duas coisas:
primeiro,
são de uma generosidade desarmante
(são mais amigos do que não é seu);
segundo,
medram na antítese do narcisismo.
O que deixarmos sem tréguas
será a caução gasta dos impérios a destempo
o gume acertado no roseiral
enquanto se fabricam dádivas
e as palavras entontecem na magreza da maré.
Os deslimites juntam-se aos patriarcas do medo
que falam idiomas incontinentes
e exibem as joias intensivas
que pesam sobre o peito válido.
Não aceitamos conspirações
nem damos troco a déspotas
no reino nosso sem hino nem nome
destinamos ao enfado
os que aparam a língua puída
e desfeiteiam as páginas límpidas
as que haviam sido resgatadas
ao céu luminoso que dava nome
ao horizonte.
You get these words wrong:
finjo
fujo
dou-me
às palavras fungíveis.
You get these words wrong:
amortalhado, não
nem murado
pois antes
mestiçado
corrijo as palavras
em proveito próprio.
E portanto:
leave me alone,
sentinela
subindo à lapela
sulcando o precipício
o sinédrio da sabedoria
em cestas ensinada
sideral
no centrípeto salão
das palavras em forma
de senha.
Está talhado
para ser salvífico
mas desconfia-se
que não tarda a talhar.
A colheita dos vis
avizinha-se no espelho riscado
rosnam os desavisados sem pudor
apequenados no vulcão despenhado
dispensando o grotesco rumor da turba.
Não seja pela vileza desanónima
o fausto crepuscular que esbarra na clepsidra
um estilhaço misturado com a carne
a matéria corrompida no altar dos farsantes
e tudo o resto
destroços abraçados a comendas
o justo rugir que substitui os idiomas.
As luzes escondem-se no labirinto do corpo. Não mentem: averbam as juras desprezadas nos despojos de um tempo sem sinal. Somos sentinelas dos sonhos sem paradeiro, como se déssemos nome ao estuário que abriga os navios. Emprestamos luz ao mar. E ouvimos dizer que o mar está de vigia por nós.
Corres atrás da fonte das palavras
os dedos juram estrofes sem medo
como se apostassem na redenção.
Desdissesse as juras amontoadas
os vultos então emparedados
condenados ao silêncio
e a noite enfim soberana na escolha
dos sonhos desembaciados.
Os apeadeiros não tinham nome
como as pessoas não tinham nome
e eu sabia
no provisório desdém da verdade
que as profecias nunca têm validade.
Chamava pelo ciciar da fala perto
um miradouro às escondidas
os corpos insinuados nas sombras revezadas
até que as portas desembaraçadas
se abraçavam às sentinelas sem freio
levantando as credenciais
e o medo cristalizava em leves socalcos
só à espera
de o luar confirmar
a voz penhorada da noite.
Antes que o satélite do asnear
entre em órbita
guarda
para memória futura
o artefacto da lucidez.
A pauta espoliada
à guarda dos centuriões
desmata os segredos de outrora
válidas arcadas sobranceiras ao espetáculo
da vida.
O gelo finge as fissuras
imita a estultícia sem rodeios
as pagas por haver no débito sem inventário
como as bocas pasmadas
que esperneiam com o toque de Midas
– o operário nas horas vagas da humanidade –
combinando as sílabas destronadas
com os episódios de humildade
que conferem,
enfim,
a maravilha da espécie.
A sentença da manhã
derramada sobre os rostos inaugurais
conta os versos que saciam a letargia.
Mantemos as cortinas hasteadas
interditamos os olhares forasteiros
como manda
a reserva do direito de admissão.