26.10.25

Mapa mundo

Costurássemos os costumes com o carvão do medo

as viúvas ao deus-dará

 

(oh, heresia, que Deus permitiu,

talvez distraído,

que uma palavra inspirará em seu nome

fosse iniciada com letra minúscula)

 

ao deus-dará as viúvas,

dizia,

portadoras desses funestos véus

que ninguém ousa postergar. 

Oxalá a algazarra dos petizes não termine;

precisamos de uma mnemónica da infância

para avivar a memória

de como era ser infante

sem consumições porque o mundo à volta

ainda não existia

e agora 

que já não nos gabávamos da adulta idade

sabíamos que o fingimento se apoderara de nós.

Fingíamos moderação

um espelho desimpedido 

para as palavras das outras bocas

e nós

enjeitando a autarcia

crescíamos como autarcas de um voto só. 

Às vezes

apetece agarrar a vida pelos colarinhos

depor a ira em forma de babugem

ou a ira arrancada a ferros das notas de rodapé

de dicionários vetustos e esquecidos 

nas arrecadações mentais. 

Apetece cuidar do dia

como se durasse meses a fio

e exilássemos as páginas desaproveitadas

as páginas que não cumpriram a folga do futuro. 

Outras vezes

deixamos que o tempo seja refém

das mãos que entrelaçamos

e das palavras murmuradas no cais do silêncio

trazemos estrofes arregaçadas ao rosto

é como 

se emprestássemos os rostos à chuva outonal

e desmatássemos todas as vírgulas gongóricas

as que enxameiam o poema diário

com as luas altivas

que ensinam as maneiras válidas

de sermos testemunhas primordiais

do belo em que o mundo se encerra

e nós

nós somos o seu mapa,

mundo. 

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