22.10.25

Um quilo não pesa um quilo

Desta matéria feito

viro o dia do avesso

e não encontro as costuras 

– o fundo falso tirou ao acaso

um sortilégio. 

As flores mudam o campo

que deixa de estar mudo

ecoando o seu peito farto

pela voz centrípeta das flores. 

No meio da ponte

parece que só há 

o rio sobranceiro ao precipício

a consumição das tonturas. 

Digo:

 

é nas ruas onde o medo se emaranha

que somos além do que intuímos

aproveitando cada braçada 

para amealhar mais gramas 

para a existência inquieta. 

 

Dizem-me 

para não dar atenção ao tempo

para abandonar o corpo aos espíritos que adejam

e eu

teimosamente

respiro o vento cortante 

aparo o sol com os dedos encadeados

sulco o dia vívido 

nos labirintos que me ocupam

e deixo à memória futura

o encantamento escondido

tantas vezes obliterado

o encantamento que se acanha 

nos provérbios gastos pela usura

na conspiração que teço

só para ficar longe da entronização. 

 

Desocupo as montanhas 

que me separam do mar;

afugento as sílabas cortadas

as passagens de nível tão desejadas

pelos aspirantes a subir de degrau

que o estatuto não me deixa enamorado

e não preciso

já nesta idade não jovem

de sentir o regaço 

de todos os que se candidatem ao meu amparo. 

 

Prefiro as coisas na sua lhaneza

os dias sem vestígios de sua memória

o beijo de umas mãos estrelares

os vícios sem redenção

um lugar apurado na pequenez dos lugares

só para ter a companhia 

dos exilados de todas as estirpes. 

 

Fujo das luzes maçónicas

das suas malsãs divisas

e ainda mais

de quem se aliste para o infausto

da condecoração. 

Tiro ao acaso um número:

 

já não me lembro qual foi

mas era melhor do que o que consta

no rodapé do dia.

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