Desta matéria feito
viro o dia do avesso
e não encontro as costuras
– o fundo falso tirou ao acaso
um sortilégio.
As flores mudam o campo
que deixa de estar mudo
ecoando o seu peito farto
pela voz centrípeta das flores.
No meio da ponte
parece que só há
o rio sobranceiro ao precipício
a consumição das tonturas.
Digo:
é nas ruas onde o medo se emaranha
que somos além do que intuímos
aproveitando cada braçada
para amealhar mais gramas
para a existência inquieta.
Dizem-me
para não dar atenção ao tempo
para abandonar o corpo aos espíritos que adejam
e eu
teimosamente
respiro o vento cortante
aparo o sol com os dedos encadeados
sulco o dia vívido
nos labirintos que me ocupam
e deixo à memória futura
o encantamento escondido
tantas vezes obliterado
o encantamento que se acanha
nos provérbios gastos pela usura
na conspiração que teço
só para ficar longe da entronização.
Desocupo as montanhas
que me separam do mar;
afugento as sílabas cortadas
as passagens de nível tão desejadas
pelos aspirantes a subir de degrau
que o estatuto não me deixa enamorado
e não preciso
já nesta idade não jovem
de sentir o regaço
de todos os que se candidatem ao meu amparo.
Prefiro as coisas na sua lhaneza
os dias sem vestígios de sua memória
o beijo de umas mãos estrelares
os vícios sem redenção
um lugar apurado na pequenez dos lugares
só para ter a companhia
dos exilados de todas as estirpes.
Fujo das luzes maçónicas
das suas malsãs divisas
e ainda mais
de quem se aliste para o infausto
da condecoração.
Tiro ao acaso um número:
já não me lembro qual foi
mas era melhor do que o que consta
no rodapé do dia.

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