19.4.18

#546

Colho o rosmaninho
sem saber se é tarde
e espero seja bálsamo dos dias todos.

18.4.18

Armadura

A varanda sozinha
os pássaros cantando sobre a falésia
o mar esfaimado, majestoso.

A aurora boreal entronizada
o frio à espera de fogueira
os corpos sedentos um do outro.

As pálpebras a ciciarem
as flores milimétricas
o labirinto com chave fecunda.

A profecia sem tempo
um relógio parado
o rio caudaloso.

As cortinas de árvores
o peito aberto aos contratempos
a ilusão que medra na bússola.

As lágrimas contidas
o desejo sem freio
a carne em combustão lenta.

Os dedos amaciados
o rosto enrubescido
as janelas marejadas no entardecer.

As páginas sem sentido
as noites púrpura
os pueris cadernos em safra repetida.

As asas silenciosas
as ruas desertas
a amálgama de contraditórios.

O chamamento com data
a candeia levitada ao longe
as trevas que se insinuam.

A recusa do impossível
os ossos duros
a obstinação do ar recebido.

Os despojos das ondas bravas
o rosto amolecido pela espuma desfeita
uma página dobrada presságio da seguinte.

E um quadro bucólico
as linhas descendo em sua suavidade
e uma prece dizendo oxalá.

#545

Bottom line:
my hands hold a skyscraper
and doomed I shall not to fall in.

17.4.18

Tumulto

Por todas as vestes rasgadas.
Pelos tomos vencidos na teimosia.
Por marés destemperadas.
Pelas luas vincendas.
Pelos vinhos em cepa degolada.
Pelas músicas à espera de vez.
Pelos feitos não açambarcados.
Pelos rumores embainhados.
Pelas almas perdidas e pelas outras, perfeitas.
Pelos interstícios das ordens meãs.
Pela voragem em limo de néon.
Pelas juras em falsete.
Pelos percentis esgotados no mercado.
Pelos olhares paternais.
Pelas fazendas gastas. 
Pelos beberetes e honrarias solenes.
Pelas genuflexões aos figurões.
Pelo ioga em válvula de escape.
Pela bazófia dos ufanos.
Pela comezinha fotografia do mundo.
Pela água coada das pedras altas.
Por territórios adestrados na lupa fina.
Por campanários e solstícios em simbiose.
Pelo basalto em combustão nas mãos quentes.
Pelos mendigos cultos.
Pelos arrependimentos em estultícia.
Pelos arquitetos órfãos.
Pelos sacerdotes sem credo.
Pelos mandantes apedeutas.
Pelas viúvas sem negro que envergar.
Pelos estroinas de roubada boémia.
Pela média exaurida.
Pelas guitarras rudemente arranhadas.
Pelos mares sem marés.
Pelos poetas em demanda de sereias.
Pelas veias encardidas.
Pelo sexo incansável.
Pelas garrafas perdidas em alto mar.
Pelo nada que fica por dizer:
uma batuta abainhada a ouro
a fala destravada
a coragem a eito
o oráculo sem tempo vindouro
e o corpo inteiriço dado à maresia.

#544

O mar fortuna
penhor da matinal escotilha
o forte presságio do dia.

#543

Os nomes esquecidos:
folhas caducas
sem outonal resgate.

16.4.18

Caligrafia

O que fazes com esta caligrafia
totem despedaçado no estreito da alma
o gesso aturdido,
impermeável
tortura sem dor?

No resto da pegada
os destroços transfigurados em casas
as palavras aveludadas no pano rígido
sem as dores das cicatrizes,
só a tutoria dos rostos felizes.

Esta caligrafia
arrevesada
bela
dístico dos reinos levitados
em crinas sedosas de cavalos alados
na gramática contumaz
genesíaca posse do nada inteiro.

Os contrafortes submetidos à sombra
leem as estrofes não vandalizadas:
oxalá fossem todas assim
não estupradas palavras
emanando das sombras heurísticas.

E da caligrafia
os pontos entretecidos
caldeiam as folhas já não virgens
à espera de olhos outros
e de seu exame.

#542

Desta embaixada
a voz doída
(um silêncio)
contra a jugular da demência.

15.4.18

#541

Dessa água não
que sou arquipélago
e do acosso constante 
é de terra que tenho sede.

14.4.18

Mãos na terra

Meto as mãos na terra
vejo o rosto aberto
sob o espelho dentro da maresia.
A terra molhada
perfumada com a chuva primaveril
(em devaneio outonal)
para às mãos regressar 
a âncora desabraçada.
Meto as mãos da terra.
Só para saber 
que não é ermo
o lugar este.

#540

Contorcido
o homem da cartola
arranca das cordas da guitarra
as veias em combustão.

(A T. T.)

13.4.18

Intemporal

Não tenho tempo.
E quando digo
“não tenho tempo”
fujo de mim
e do tempo que se abraça nas mãos.
Ninguém devia dizer
“não tenho tempo”:
o tempo não é rarefeito
mesmo quando dele damos conta
em sua escassez.
Temos as mãos de mármore
que emolduram o tempo 
– o tempo que for preciso.
E dele
somos seus diletos arquitetos.

#539

Dizia:
“love” é um anagrama de “olve”
(ludibriando
os idiomas, o verbo “olvidar” 
e o próprio amor).

12.4.18

Tirocínio

Para que preciso de asas de Ícaro
se tenho os garfos de mármore
que levantam as terras a eito?

Não hão de ser os embaraços
os dialetos sem cobertura
os olhos marejados pelo vento impaciente
nem as traves inamovíveis
a decidir as minhas decisões.
Faço minhas as palavras de ninguém
quando dedilhava
entre as ruínas estonteantes
as vírgulas do silêncio.

As vasilhas vazias
quadram com o ocidente embaciado;
nem por noites sem sono
se destravam juras
que as juras 
se estilhaçam nas provetas falhadas.

Limpo as nuvens à procura de céu
e rejeito as partículas oxidadas
que acidulam as frutas que já não maduras.
Oxalá as manhãs se demorassem
e entre os silvos das crianças estouvadas
a preguiça dos gatos
e a saliva doce
de mim tirasse um módico de sede
para denunciar o insalubre despojar de mim
através dos fingimentos constantes
da indiferença entre as pessoas
das danças peregrinas
dos botões abotoados meticulosamente
da desordem que se espera,
em quimera desassisada.

Se ao menos houvesse asas
como Ícaro
e os campos em sua desmultiplicação
se tornassem excedentes,
desaprendia a palavra “lamento”.

#538

“Dona-isto, dona-aquilo”,
tratam-se as empregadas de limpeza
na mesa ao lado. 
Tanta cortesia,
que davam para diplomatas.

#537

Se a verdade se descobre 
com um engano,
a mentira descobre-se 
com uma certeza?
(Sobre quatro categorias voláteis)

11.4.18

Sinais de fogo

Somos nós 
que encenamos
a chuva do horizonte
nas facas em combustão que matam
os feiticeiros.

Somos nós 
que enfeitamos
as cumeadas crestadas
o sextante da sabedoria
por entre a aridez imperatriz.

Somos nós
entregando as mãos adestradas
que compomos o hino sem estrofes
na praia varrida pelo vento.

Somos nós
intemporais congeminações
o ouro sentado nos corpos
sem mão na claridade que irradiamos
sem o jugo de interpostas entidades
nós, 
cadeirões encimando o miradouro,
a separar o fogo das cinzas em combustão
à espera da terra fria
no sopé do cabo do fogo.

Somos nós
que nos ouvimos no templo
desenhando as nuvens em forma de céu.

#536

Revoltado,
o magnata fundou
o sindicato dos opressores.

10.4.18

Prefácio

Não serei
lágrimas, suor,
sangue
(o famoso tríptico);
serei arranha-céus
miradouro aberto aos lugares viveiros
fonte farta de fria água
o compasso equinócio
paredes-meias com o olhar viável
o esteio fundacional.
Cais seguro
e suor e lágrimas
e sangue
no modesto desprendimento
no amplexo em que temos quarto
e somos braços enlaçados
no olhar não furtivo
no resgate do prazer
no amor sem amuletos.
Serei
trovão interno
o peito desarmado
navio sem escolta
jardim extático
oásis servidor de água
uma voz funda
o rosto sincero
enseada aformoseada pelos versos
desmedida essencial
mãos tecedoras de ternura
juízo sem lei adstrita
oráculo sem a medida do porvir
mar desarmadilhado 
astronauta docemente louco
vulcão vertido num glaciar sentado
tutor dos reinos sem terra
penhor das quimeras por desenhar.

#535

Manifesto anti-nostalgia:
como é bom
o tempo que passa.

#534

Os pretensiosos culturais
não merecem mais 
do que duas palavras.

9.4.18

#533

A tua nudez
santuário
suor e lágrimas.

Trunfo

O berço 
viveiro perene
húmus irradiando seu sol próprio. 

A ponte
contrato sentinela
semente transfigurando as veias frias. 

A árvore
esteio fundo
braços tingidos na maresia distante.

A casa
santuário centrípeto
muralha convocada no refúgio imperativo. 

A promessa
museu labiríntico
vento murmurado nas costas da maré. 

O canto
sereia habitada
crepúsculo segredado no ouvido quente. 

A boca
armadura matinal
desejo emoldurado no seio intumescido.

A página
socalco íngreme
desafio atirado à erupção devolvida.

O muro
repúdio substantivo
âncora presa no cais lamentável.

O paramento
jura assenhoreada
planície esquecida no país atávico.

O rosto
bastião singular
fértil seara de raro centeio.

A ideia
prisão domiciliária
lastro reinventado na lareira acesa.

O mar
chão desalinhado
navio armilar em demanda agigantada.

A manhã
radiografia vespertina
mercado triunfado na macia pele.

#532

O chapéu aloja 
uma miríade de lugares
o ubere das ideias em seu digladiar.

8.4.18

Enquanto

Não sigo o clamor
no antiquado lenço gasto
e durmo o sono inteiro
fazendo da noite minha testemunha. 

No sopé das frases feitas,
proezas chamadas aos seus autores;
prefiro a glosa das palavras vazias
o fogo fundido no olhar sem freio
em meneios originais
contra ladainhas 
que repetem todas as vírgulas
e têm o mesmo lugar sentado. 

Portanto:
tiro do espelho as medidas
e do fundo do poço
sinto a estatura maior 
tomar conta de minhas medidas.

#531

Saio do perímetro
em que me aprendi
no melífluo proveito do alter ego.

7.4.18

O buda parlapatão

O buda nada esfíngico
arrota sapiência bolorenta
estica a laca da casta,
seu dedicado servidor
seu autoinvestido tutor,
seu cultor de ritos 
– que o altar da sobranceria quadra 
com elevada sinecura abarbatada.
O buda de curta memória
esfola os possíveis rivais
nem por lhe ser dado a saber
que não serão concorrência à altura
não por causa de sua meã condição:
às regras obtusas impute-se o delito,
o manto protetor dos budas e afins.
Mas o buda persevera.
Seus são fantasmas apenas quixotescos
e oglareda casta vetusta.
O buda apalavra sapiência
por inerência estatutária 
– como quem diz: 
assim é porque sou o primeiro do escol
o tiranete que cavalga por cima de preceitos
e se unta na condição de as mudar
se a mudança quadrar com sua vontade.
Palavroso e vazio,
sapiência na inversa proporção
da balofa condição,
ostenta a farda da casta 
– certidão que chegue 
para atestar autoridade de intelecto.
Não deixa de ser buda
e não deixa de ser parlapatão
em mal disfarçada usura
de estalão embolsado à margem do engenho.
E assim se explica
o buda parlapatão
ardina dos ardinas
comezinho charlatão
meirinho temente dos concorrentes
que o são como os gambozinos.

#530

Matemática em silêncio:
o coiote vadio
a roer a corda ao tesouro.

6.4.18

Garantia

Dizia-se:
não são as sombras
o penhor das mãos trémulas;
não são as ondas
adamastores foragidos 
na descompostura da noite;
não são as adagas desembainhadas
oráculos onde fermente a lucidez.

Dizias:
não é na penumbra 
que se esgrimem as teias do tempo
ou os oráculos infundados
de onde se avistam 
as cavernícolas traves da mentira.

Dizia:
não é com desmodos
que se levantam as nuvens férteis
nem os seus abencerragens merecem
sequer
a cozedura de um verbo sem lustro.

Dizia-se:
são os artesãos dos sentidos
tutores de bustos grados
das letras não triviais
de um módico de viabilidade intrínseca
das frutas nos pomares onde somos vida.

Dizia:
deixamos o olhar refém
das escotilhas por onde arde a maresia
e agarramos os versos inspirados
contra a desdita dos ergástulos.

Dizias:
sabemos os lugares desempoeirados
as livrarias da alma
e seguimos atónitos as convenções desusadas
compondo em linhas arrevesadas
a prosa que nos cimenta
muralhas de nós mesmos
no enredo cautelar
de que somos
narradores e intérpretes.

#529

Não guardo aplausos,
exíguo roteiro extinto
no olvido metódico.