Procurei o número da página:
43.
Não sei
por que era este o número em demanda.
Nunca acreditei no sortilégio das coisas
nem dos números
e a cabalística dos algarismos
foi arte que sempre me foi estranha.
43,
todavia.
Abri um livro na página 43:
O sal quente
no dorso do miradouro
inflama a língua
e em seu intumescer
coabita um frémito
como se nos fosse dado
renascer
as vezes que fosse preciso.
Saltei a página.
Era uma página em branco.
As crianças emudecem
na parafernália dos lúdicos gestos
a coreografia de liberdade espontânea
que rima
com o desconhecer de muito
– o seu maior capital de confiança.
Abro outro livro na página 43:
Anotei os versos combustíveis
o estribilho em maré alta
a recusa da fala proibida
a recusa dos corpos ausentes
e trouxe do fundo do mar,
onde se lançaram minhas mãos trémulas,
as sereias fundidas na fina areia
as promessas de ocaso sem dor
o salvo-conduto que não caduca.
Sobrei de mim mesmo
sem despojos
sem ruínas como mostruário de decadência
o corpo enformado na validade distante
e cantei o que me apeteceu
deixei o corpo banhar-se no mar álgido
sem me parecer álgido
e perguntei
se não seria anestesia ou hibernação
ou apenas
a criteriosa evasão do fogo circense
do fingimento indigente,
recolhendo em meus braços
a penúria da modéstia
o sal amestrado da maresia sem freio
o peito fartamente generoso.
Perguntei
e da página 43
do livro consecutivo
transpareceu o segredo:
Amanheci
no impudor da alma farta
cobrando ao porvir os juros sem tabuada
e no santuário de meu corpo
repousa o suor desejado
a mortalha que esconde a nudez
a boca que segreda os beijos carnais
entre a violência da noite
e o irredentismo do dia fulgurante.
Dei-me
ao dia imensamente adjetivo
e das páginas ímpares retirei os verbos
só para ler as estrofes mudas
o texto amputado
e, imprevistamente,
ninho de uma clareza singular.
Amanheci
no amparo de uma mão não minha
sentindo o ardor da carne ao meu lado
e selei
com a boca sôfrega
o compêndio do veemente desejo.