[Crónicas do vírus, DXCII]
Acariciamos
o bojo do dia
na inteireza
que nunca fomos.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
No fojo
por onde fuja
o lobo em metáfora:
o mel diuturno
chama o algoz
à espera das tornas
da lua.
Entontecidos
os rapazes
tiram-se do mar.
Os velhos
protestam um silêncio.
O mar não é menor
à espera da maré
entre remoinhos bastardos
que desmaiam na areia.
Dizem:
o mar
esqueceu-se do sal;
ou então
o sal exilou-se
nos rapazes estouvados.
Dizem:
os rapazes
foram o fojo
para o sal entediado.
E os rapazes
transfigurados,
cais
das mais temíveis
tempestades.
[Crónicas do vírus, DXC]
Um toque de Midas,
apenas um toque de Midas,
para a bússola fazer sentido
outra vez.
Antes se inventasse
um dicionário de onomatopeias;
seria a melhor recomendação
para reunir os garatujos avulsos
da fala pré-histórica.
Um manual de intenções
contra os mundanos mal-entendidos
que entontecem as almas sitiadas.
O objeto cortante
antecipa a véspera da fala.
Se ao púlpito chegassem as preces
seria mínimo o dano
e os provectos eremitas não cuidariam
da hermética gramática sem conhecedores.
Os tribunos esqueceram-se da forma
e nem aos tribunais recorrem,
suspeitos de serem réus em primeira linha.
Não se sabe
quem tem o objeto cortante na mão.
“Agora já não é como dantes”
(a ladainha que percute a pele gasta
dos arcanos que vivem aprisionados
num tempo esquecido):
os detetives estão todos reformados.
Os ossos gastos
conspiram a rebelião.
Dentro de um lago baço
inventam as palavras ruínas
tornam-se fluentes no verbo gasto.
As lâminas de um fogo inesperado
ajudam as rimas:
não são os trunfos na mão
que ajeitam o tabuleiro;
em vez das cores de cor
a boca estatística desgasta a estultícia
e conserva de cor as baias das cores.
Amanhã
reservo o desmedo
antes que seja cedo.
Não sei dos números em barda
os que falam em vez do silêncio
em ondas sem cessar
que ajeitam o dia.
Não combino farsas
com os circenses que se pavoneiam
deixo para depois as cortinas com enfeites
e parto do cais para chegar a casa.
Não abandono as ideias sem patrono
nem deixo que sejam órfãs
as palavras arrancadas aos escândalos.
Não fujo do âmbar das palavras
nem que um cerco sem remédio
tome conta do peito.
Aos sinos sem fala
não conto o desenho do amanhã.
Prefiro que sejam os instantes
a caiar as paredes vetustas.
A cabeça em água
não pode ser se não um louvor.
Se a água é o elemento dominante
da Terra
uma cabeça feita em água
é o panegírico da moderna ecologia.
Todavia
as pessoas queixam-se
das cefaleias que liquefazem a cabeça
dos tremores que condensam a angústia.
Se pudessem,
carregavam barragens na nuca
só para abrirem as comportas
e a água desabitar as suas cabeças.
Ah!
se ao menos soubessem
que uma cabeça cheia de água
é uma fronteira que se fecha
ao vento que dela se apodera.
Um bom tema de conversa:
há quem demande o santo Graal
como se tudo fosse contingente
e um bastão ingente,
a qualidade,
adejasse como sentença definitiva.
Não sabem
os que precisam de ser desenganados,
que a fala dispensa adjetivos.
Sou
velocidade de cruzeiro
um meteorito despenhado no futuro
o osso duro que não se adia
regimento sem artilharia
ingrediente raro sem paradeiro
o estuque que disfarça a muralha arcaica.
Sou
o barítono do lugar omisso
a tisana oferecida aos reféns sem preço
pacífica aspiração
rebelde industriado pela vontade sem cortina.
Sou
o olhar sufragado
mãos que se entrelaçam nas sombras
a cobiça desautorizada por vozes apagadas
o espartano delator de ninguém.
Sou
uma medida sem medida
ponte pênsil segura por presilhas
negação da numismática
e no entanto colecionador de toponímia.
Sou
o silvestre artesão que determina as mãos
no mais impuro segredo entre os ímpares.
Sou
o desafio à vertigem do tempo
rebelde sem causas
mentor de almas por tresmalhar
descompanhia recomendável
no parapeito da angústia sem remédio.
Povoamos o sangue com o resto da noite.
Deixamos que os olhos não sejam baços.
O vento tortura a rua
enquanto bebemos o suor dançado
nos parágrafos que se escondem do amanhã.
As vozes amontoam-se nas paredes.
Fintam os verbos inválidos
e são elas próprias o arvoredo da primavera
o fértil chão onde nos deitamos para saber da pele.
Diremos que o medo não se compõe
na porta aberta às marés vivas
e que do centenário dicionário
colhemos as vésperas destinadas.
Açambarcamos os rios:
damos o nosso suor às suas águas.
Vemos no caudal paladino os punhos que escrevem
e sabemos
que nas veias voam palavras debruadas a mar.
Se soubéssemos dos oráculos
não queríamos o estojo dos druidas:
seríamos nós,
suficiente matéria arrumada num cofre,
prestamistas dos ultimatos sem assinatura
razão máxima da desrazão.
Se os prolegómenos se adiam no ciciar da tempestade
deixamos que os trunfos se arrastem na orla
e de um ermo lugar depomos o vazio.
Não há trovoada que nos derrote
nem noite parecida com um labirinto sem nome.
A matéria está dada.
O compêndio desaperta-se do medo
e o medo não se enquista:
fica em nós a medula pura
e sem adiamento cruzamos as latitudes
à espera dos lugares ensinados nos sonhos.
Até que os sonhos percam paradeiro
E subam pelos nossos corpos matriciais.
Deixamos a meação do património
que o território é ingreme
e o peito quer estrofes
que da fala sejam
procuradoras.
Janeiro
todo lampeiro
fevereiro
à espera do carpinteiro
março
mais forte do que o abraço
abril
convenientemente primaveril
maio
todo catraio
junho
com o meu cunho
julho
desfeito o esbulho
agosto
poltrão aposto
setembro
que não lembro
outubro
com o sonho cubro
novembro
sem demora o escombro
e dezembro
com janeiro já pelo ombro.
Your right to say no.
You’re right to say no.
Drift the unnameable
on rosy shades voicing the void.
Then
while waiting for the aftermath
spell it out
conspicuously
“no
hereby I say no”.
By any means
and so forth.