5.1.23

#2641

Cunhada a má moeda,

em averbamento 

de prisão perpétua.

4.1.23

Não dirás uma só palavra à metafísica dos costumes

Trinta dinheiros

não era a paga dos hereges;

seriam 

 

(se a justiça fosse 

mesmo

divina)

 

os juros devidos

pelos pagãos

por quererem um céu

e indulgências a cobrir

todo o pretérito.

 

Por menos

 

(muito menos)

 

houve corruptos

apanhados em falso.

 

E ainda protestam

os majorados embaixadores das igrejas

que são desavantajados

pela força centrífuga do hedonismo

 

(que as tira de moda,

às igrejas

entretanto acossadas 

pelo atavismo).

#2640

O coração em riste

devia ser admoestado

com cartão amarelo.

#2639

Hoje

não sei 

de antemão

de que cor foi

ontem.

3.1.23

#2638

O estribilho

era vadiar

sem embaraços

sem pudor.

2.1.23

#2637

Se

ao menos

a devassa

estivesse

de valsa...

1.1.23

Descuido

Amanhecem

as cordas viúvas

no tojo que aloja o nevoeiro. 

As coisas

alimentam-se, baças,

num lampejo de água. 

Não se escondem,

extasiadas no seu fulgor,

na senda válida do dia madrigal. 

Nem as impurezas

extinguem o verso bisonho

que espera pela caução da manhã. 

Não se digam 

esperanças da redenção

antes que se sitiem as palavras fortes. 

Agita-se a pele

libertada dos fogos que a consomem

vertida, enfim, num capítulo maior. 

#2636

O dia das intendências

tem a boca atada

à cauda onde se entretecem

os remates.  

31.12.22

#2635

As estatísticas

são apenas 

uma dança dos números,

sem gramática. 

30.12.22

#2634

Para a reificação 

do puro complot

só falta o Arlequim

loucamente percorrendo as ruas

nu. 

29.12.22

#2633

O mosto que se mostra

não é a lava fundida

que fala por um vulcão. 

27.12.22

#2632

Não contes

com a posteridade

para narrar o passado.

26.12.22

#2631

A janela descida;

o sangue que areja.

25.12.22

As bocas carnudas

As bocas carnudas

as que falam por dentro do silêncio

sabem a maresia

ou uma redução de maresia

da maresia pagã

que acompanha o caudal. 

 

As bocas carnudas

estimam-se superiores

contra maldições

e divindades afins

na véspera do foral que autoriza 

o mais fino calibre da areia

em que se estilhaça a cidade. 

Injustiças indocumentadas (59)

Para andar

à pala

é preciso bater

a pala.

#2630

Não te pesarás

no dia de natal.

 

[Mandamento constante]

24.12.22

#2629

Dia de vistoria

dos petizes peticionários

pelo barbudo de vermelho

enfarpelado.

23.12.22

Manifesto contra os heróis

Sob tortura

o segredo

os vintes agora no selo

e a bandeira

ah! a bandeira

o peito às balas

se os heróis forem admitidos

a concurso

 

(não existe a certeza

sobre a pendência).

 

Sob tortura:

que os heróis

candidatam-se à imortalidade

lá,

de onde não conseguem sentir

o sabor da imortalidade 

sem chão.

 

Quanto ao demais

um nome numa rua esconsa

ou numa nota de rodapé

em obscura dissertação de História

não são a paga devida

pelo mito mal disfarçado.

Injustiças indocumentadas (58)

Agora 

que a míngua de água

teve epílogo

já são autorizadas

as barbas de molho.

#2628

Dali

Dali saiu

para o panteão.

Injustiças indocumentadas (57)

Palavra de desonra 

(ode à mentira).

22.12.22

Tabelado

Como areia 

que se torna aresta 

no olhar,

o altar

que amanhã se atesta

como ceia. 

 

Como fugitivo

que não resiste 

à decadência,

a dissidência

que não desiste

como imperativo. 

 

Como angústia

que adia o pressentimento

no oráculo,

o ósculo

que rejeita o sofrimento

e dita a simpatia. 

 

Como fortaleza

que treina os nervos de aço

no cenário,

o bestiário

que germina o embaraço

e desfaz a fraqueza. 

Injustiças indocumentadas (56)

Perder 

o norte

e encontrar 

o sul.

#2627

Arregaço o frio

em novelos 

de cinzento nevoeiro

e digo à manhã

que não me derrota o torpor.

21.12.22

Como torcer o pescoço ao idioma sem dar conta do perjúrio

Escuto as palavras espancadas

como gritam no eivo da entorse

e vejo

como indiferentes e ínscios

prosseguem os fautores da tortura.

 

E escuto as palavras espancadas

e às vezes

sinto-me acossado

por não sermos credores

do idioma que tornamos contrafação.

Injustiças indocumentadas (55)

Se o Inverno é general

qual é a patente do Verão?

#2626

Não olhes 

para o que eu burguesio

olha 

para o que eu falo.

20.12.22

Obelisco

Os gólgotas exercem o seu pesar

antes que balanças sem fiel

cobrem um preço exacerbado. 

São desta igualha

os mercados que não recebem leis

e quem neles afocinhar

não descuide a atalaia permanente. 

Antes fosse assim a tinta

mister que não combina com a modernidade

que é algo que nunca deixa de existir

quando o tempo se dá a conhecer. 

Outrora

os homens

(que se notabilizavam enquanto cavalheiros)

usavam chapéu

gravata exceto ao deitar

sapatos devidamente ensebados

fato de três peças

ceroulas invernais 

(que fazia um frio de rachar)

e só davam azo à luxúria

em visitas a prostíbulos licenciosos

(como se esse fosse o momento 

para terem autonomia

das algemas que os aprisionavam

dentro de um estar meão). 

Agora

só o Espada é que se mantém 

cavalheiro

fiel aos espelhos arcanos

que teimam em verter sobre o presente

a mantilha de um passado

que deixou de ter validade. 

Às vezes

nas poucas vezes

que me desensimesmo 

e pratico 

a modalidade olímpica do arrependimento

sinto-me refém de duas metades iguais:

uma de mim diz que devia ser conservador

e a outra moderadamente progressista 

– socialista, em tributo ao modismo

que já mexicanizou este lugar. 

Teimosamente impuro,

continuo um contínuo ludita

de extravagantes prescrições do mundo.

Sem remédio

e de alma que, 

de tanto errante,

já perdeu as estribeiras da salvação.

Injustiças indocumentadas (54)

Rabos de palha

ou não são rabos

ou não são feitos

de palha.

#2625

Atira vinagre

para cima das feridas

mas não esperes 

cicatrizes.