Dou à falsa partida
o benefício da dúvida;
a indulgência converge
na vez do logro.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
As bocas famintas
bebem na ira da matilha.
Não conhecem o perdão.
Avançam,
destemidas,
no concurso da intransigência territorial.
No territorial
disfarçado de ideias
na parlamentar farsa da transigência.
Na hora H
arregimentam o arsenal
abocanham os tísicos pleiteantes
na irredutível cerca de onde não têm fuga.
Sem direito a contraditório
sem direito a julgamento
sem direito
a não ser a (sua) arbitrária lei de seita.
A matilha
ostenta nas suas bocas saciadas
o sangue ainda morno das vítimas;
os mastins
passeiam as barbas tingidas pelo sangue exaurido
dos que ousaram habitar outro mental lugar.
Passeiam toda esta ostentação
na pose de triunfais algozes
ufanos no cercear da dissidência
funcionários diligentes da perdurável doutrina
com simultânea exibição
para memória futura
e aviso
aos candidatos dissidentes
do desfado que os espera
se insistirem ser
o que deles
não se espera
que sejam.
“(…) o vinco das tuas calças
está cheio de frio
é há quatro mil pessoas interessadas
nisso. (…)”
Mário de Cesariny, “De profundis amamus”.
Há poetas
visionários
poetas que pressentiram
com cinquenta anos de avanço
as redes sociais.
O exílio que se esportula
a meias com o azedo da angústia
arremete contra o caudal iracundo
na floresta onde se arrumam os sonhos.
Logro a sombra de uma tenaz
como se a uma figura mítica pertencesse
e aviso os deuses de plantão
que vendo dispendiosa a derrota que não intuo.
Manda a tirania dos contratempos
o desmazelo dos fantasmas alinhados
contra os vidros baços que travam o olhar
em labirintos sem o medo metódico.
O corpo suado não responde à lucidez
os versos são a cacofonia não reprovável
e a cada sismo da manhã
antepõe-se a harpa resgatada às cicatrizes.
Por dever irrecusável de pertença
devia ser proibido
assentar zeros
à esquerda.
Era como uma toga
só para disfarçar a nudez
a vergonha da nudez;
não sabia ao certo
porque a vergonha
rimava com nudez.
Do palácio dos corpos alistados
sobrava a moda;
isto é
o devastador panorama
das fazendas que alijam a vergonha
que seria
a procissão dos corpos nus.
E eu não sei
ainda
ao certo
se é por pudicícia
ou apenas
por um dogma de estética
o agradecimento a estilistas e não estilistas
por travarem
a procissão de corpos nus
a devastadora imagem
de um campo de terrores.
As costas das mãos
passeiam-se pelas vírgulas,
depostas em lugares ermos
como se fossem
as árvores distantes que ensinam
a gramática da vida
um torpedo desarmado
vocação diligente em ábacos erodidos.
Alguém diz
de uma paisagem em passagem
no disforme lugar do comboio
à janela:
esta
é a terra queimada
o torpor que desarma a vontade
uma tela áspera
onde os verbos se trocam por luares
e as velhas não insistem na viuvez.
Mas esta
não é
afinal
a terra queimada:
é um gotejar insistente à boca da manhã
promessa sem notário ou procurador
a aldeia com cheiro a lareira
ou o tojo cansado de tanta geada
inerte
a pedir
uma terra alagadiça.
Nesta dança improvável
o peito fecundo verso
atesta como é viável
o lugar incontroverso.
A palavra imarcescível
longe do paradeiro imerso
diz a pertença admirável
derrotado o sentido adverso.
Não é a pele durável
em que teimoso me terço
o mapa todavia contestável;
se este é o idioma submerso
o logro do chacal perverso
eu sou tudo e o seu inverso.
Em vez do patriarca
as tágides que seguiam os eflúvios
cantantes
como cantantes são as sombras madrigais
e o provérbio sem casta.
Se não fosse pela diplomacia
os chapéus persignavam-se
ainda rombos
e a contundente mentira abraçava-se
a um disfarce.
Alguém dizia:
o disfarce rima com farsa
e ninguém objetou
que a rima acertou ao lado
errou por milímetros.
Todos distraídos
a contar os gramas que pesam uma lua
sentados em cima das suas almas
e estas impassíveis:
uma alma é à prova de bala
por mais que as balas se sublevem
e tinjam
a tinta imperecível
a pele açambarcada ao labirinto do mundo.
Agora
já não havia patriarcas.
Os sinos tocaram a rebate.
Saber-me
sozinho
ainda que
a rua
esteja atapetada
por uma multidão;
Saber-me
tutor de um sonho
ainda que
o sonho
não tenha mecenas.
Habitas
aereamente
nos ramos das árvores
no exercício
do teu constitucional direito
a seres sonho.
Um arsenal inteiro
a barragem da brandura ao fundo
como se estivessem entretidos
a jogar batalha naval;
e apenas um sonho
a estação preferida
de tantos quantos
tropeçam no dia
que vem depois
do dia.
Antes houvesse dedos contemplativos
um cálice de palavras doces
os frutos a contar do minuto três
ou um filme de trás para a frente;
não que fosse diligência maior
ser o oráculo que vem antes do futuro
(um futuro desses deixa de ser futuro):
o que estava em causa
era ser participante do futuro
de um futuro
não era esquisito na escolha.
Para isso
é preciso esperar
que o futuro seja apeadeiro
o que
a acontecer
se esgota
no seu próprio pressupor.
A culpa
não morre solteira;
é consorte
dessa pesada insubstância
que é a consciência.