Alguém sabe
a que sabem
as águas de bacalhau?
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Tingidas as lágrimas
na baía dos acasos,
na vez
dos destroços de um naufrágio
que adulteram o areal.
Dos náufragos
não há notícia;
se foram doados ao mar
deles
será a sepultura maior
um epitáfio com o salitre
como verbo.
Pelo meio do luar
as facas arquivadas no arnês
e só o luar
o bocejo apetecível da lua com boca grande
e uma pequena verruga numa das orelhas
afinal
apenas um piercing que a lua apostou.
A lua nunca diz adeus:
anoitece nas mãos gradas
e promete ser viável
enquanto o mundo se entretém
a dar umas voltas sobre si,
a transpirar saudades da lua.
Há quem diga
que a Terra devia ser o satélite da lua.
As vozes urdem o silêncio medonho
espreitam pelos poros das laranjas
como se por eles inventassem escotilhas
e condenassem o mar a ser um cais.
O silêncio já não é medonho
ao concorrerem as vozes gongóricas
um certame impraticável
onde todos falam
uns em cima dos outros
outros por cima de outros mais
num emaranhado de palavras demencial.
O silêncio é medicinal
quando deixa de ser medonho
e os mecenas
desfraldam os seus melhores tapetes
para receberem a gramática do silêncio.
O silêncio
recebeu o prémio Nobel
da igualdade.
Vamos
ao estado da nação
– ou
ao estado da noção
ou à noção do Estado.
Não seja pormenor a denúncia
os despojos não aceitam dádiva
sem o fermento que valida a demanda
e o exílio não conta para o currículo.
Amanhece o diadema
em conspirações avalizadas por druidas
não se consuma a poção macerada
ou os ossos puídos derruem.
O espelho fortuito desaprova a privação;
esperam-nos
comboios de mel
uma contígua alfinetada na angústia
os favos em forma de espada
e a boca que aguenta a obturação do medo.
Levamos os remos ao rosto furtivo.
As arcadas desacertam a baunilha do dia.
Atemorizados
os abutres fogem da carne vivaz
o sangue retesado engana-os por mal:
estamos a salvo.
Fala-se de vingança
de brio e de destemperança
dos bolos artesanais que avivam a lembrança
sem ser sempre esta usança.
Os cardeais não são apenas pontos.
Servem-se, sumos,
que matar a sede não se recusa.
Já a vagem do dia:
para ser espremida até ao magma
até ficar apenas a casca derruída
o farol que dispensa
instrumentos de navegação.
Os remos não se escondem das mãos.
São o seu arnês
nas águas agitadas que fogem da gastronomia.
Lemos os remos
somos agiotas dos temperos
inventamos os compêndios
e agitamos os sentidos.
Calígula ou barítono,
a hesitação agoniante
antes de responder à pergunta
“o que queres ser em crescido”.
Queria um dólar
o câmbio fortaleza
e nem sabia
que no lugar em que estava
o dólar não tinha serventia
valia tanto
como uma nota de monopólio
ou a palavra jurada dos solenes coveiros
que condenavam a mátria
à irremediável dissolução do futuro.
Dessas juras solenizadas
não se extraía em memória futura
o saldo em mitomania
– e ninguém se lamentava
ninguém queria contas prestadas.
Invocassem não ser o caso
sobrava
aos mandantes hasteados com o aval popular
a imperícia;
tal como
a do dólar naquela mátria
que não sabia da serventia do dólar
a tão glosada nota verde
ali,
estranha como idioma não aprendido.
Um,
armado até aos dentes
vai perder a peleja
porque o outro,
armado até aos olhos,
lhe passa a perna
(e os dois, talvez,
a caminho da autofagia).
Perdeu a cabeça.
A quem a encontrar
solicita-se devolução
aos perdidos e achados.
Sabes do crepúsculo
o sabre luminar de que é feita
a bainha do dia
o lampejo de mediania que é suficiente
sabes
do furacão circuncidado
a ametista escondida no bolso
o microscópio por onde arde a angústia
sabes
de que matéria é feita a fala continua
nos antebraços do esqueleto ancestral
se ruínas são elevadas a património armilar?