O poente
deixa de soar o dia
abriga um porto esconderijo.
Tudo é falado em surdina
as paredes travam as palavras
que emudecem
na fronteira da casa.
É o tempo preferido dos sortilégios
que assentam coreografias
com o estuque dos vultos arrematados
a argamassa retirada ao anonimato
preparando de véspera
a urdidura do dia consecutivo.
Sucessivamente
num ritual que não veste regras
sem autoria determinada,
até ao momento em que escrevo.
É o dia que vai contar o futuro
ornamentando a gramática com entorses
assim como os dias madrastos
que compõem um palco a que os pés não subiriam
se soubessem do futuro antes do tempo.
Deposto o medo
o idioma fica como testemunha.
O úbere da memória não tem paradeiro certo
os procuradores da angústia foram demitidos
e as preces dos desafortunados foram decantadas
tudo se compondo numa mirifica paisagem
onde se combinam urze e mel
chuva teimosa e fertilidade
os rostos que irradiam leveza
e as montanhas escarpadas
onde a vida se leva difícil.
Não se exorcize o olhar estremunhado:
o sangue pulsa nas paredes das veias
arrebata as bandeiras que são uma farsa
e o corpo insubmisso atira-se ao precipício
sabe que o pode domar.
Dizem-se palavras avulsas
– o auge da autenticidade
como se fosse preciso mostrar credenciais
como os embaixadores da lucidez.
Mas não é de lucidez que se cuida;
o vento que assobia o desmedo
desafia a angústia que procurava atestado
os ossos são a matéria que não se transaciona
assumem os esteios que uma identidade afigura
antes que deuses assassinos colonizem o bem,
assim disfarçado,
e todos nós,
distraidamente
(ou apenas sitiados pela letargia)
sejamos matéria fungível
um longo bocejo refém do acaso.