Diz
que são matinais
os suores perdidos
no prefácio do dia.
As ruas
vão ganhando gente
ou dir-se-ia
vão perdendo o silêncio
matricial
enquanto a luz adolesce
e já não há corpos domados
pelo sono.
Sobe
na pura verticalidade
um sangue paradoxal
feito de letargia e vontade
é o motor de arranque da cidade
que não espera por luares quiméricos
não espera
que sejam visíveis
as palavras sem estribilho.
O peso de uma nuvem
cerca a claridade;
o vento que a trouxe
deita-se na pele descaucionada
as miragens também têm
rostos paradeiros
sem que se exilem
num ontem fantasma.
As pessoas
são forasteiras entre si
não falam
entreolham-se na curiosidade furtiva
ou num arremedo de lascívia
o óbice de consciência que não se esconjura
metodicamente
desconfiam até da sua desconfiança
como se fossem
apátridas uns dos outros
que são terra sem linhagem.
O retumbar dos carris
à passagem dos comboios suburbanos
o zunido soado por condutores apressados
(a confirmação
do princípio geral da despontualidade)
a vozearia de um bando de rapazes
o rumor de fundo da cidade:
já tanto se descompõe a quietude
que doentio seria o silêncio.
De que verbos fala o silêncio
se o desconhecemos
na gramática em uso?
Os madrigais
pedem meças a um estado original
todavia irremediavelmente desvirginado.
Está é uma doença sem redenção
chamem-lhe
um coma vertiginoso
ou estado terminal
se apetecer procriar uma especulação
apocalíptica:
o senso nunca foi comum
cunhado por portas enviesadas
por onde entram
os que afocinham na subserviência
nos contraplacados
vendidos como madeira nobre.
Ficamos
com o dia entre as mãos
e não sabemos o que fazer com ele
– o que fazer dele.
Somos reféns
da imperícia.
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