O fazer mau contacto
é por não ter
bons contactos.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
O tempo (pode ser) livre
a roda (quer ser) livre
o regime (devia ser) livre
e livre (antes fosse) direto.
As coisas que se dizem:
a maldita boca destravada
vai mais depressa que o pensamento
azedando palavras
abrindo feridas
à prova de cicatriz.
Os mastins
seguram a decência com a boca
mordem-na nos lábios
apetece-lhes falar do avesso
como se condenassem os costumes
ao silêncio
e depressa os centuriões dos costumes
deitam-nos em acareação fundamentada
com os déspotas que bebem conspirações
azulando o caos com um raiar amanhecedor
o pior dos embargos:
ainda
há muito dia
a caminhar
e ele
já nasceu
torto.
O saque
em talhadas
tutelou as ossadas
em descuidado material
não havia crime a preceito
e os soezes agitavam a alva bandeira
os farsantes, bolçando bílis,
chamando o alvará filial
dos que mercavam
de empreitada
o saque.
Cai no céu infecundo
a base estrutural da angústia
e os dias por diante
já não estão à espera do medo.
Confirma-se
a tese do apocalipse,
se for lida pela lente dos proponentes:
a teimosia do mundo em não se finar
é o apocalipse em cena
para os que dedicaram uma vida
a vender o apocalipse
para a brevidade impossível.
Confirma-se:
o mundo a conspirar
contra os estetas do apocalipse:
o apocalipse
da tese do apocalipse.
A bengala puída limpa a erosão do tempo.
conspira contra o futuro à margem do adro.
Se ao menos as rugas hibernassem
se o corpo não fosse um arcaísmo prometido
se a matéria do tempo não fosse volúvel
podia-se estancar a desesperança
que grita desde mares longínquos
audível,
terrivelmente audível,
enquanto a procissão dos vultos
se encaminha para o pântano sem nome.
Se ao menos o fingimento fosse boa moeda
e os tumultos que ateiam o sangue adormecessem
podia ser
que o tempo não fosse o nome do medo.
Um chelique,
quase!
a dama num achaque
a porcelana estilhaçada
– um resumo
das maneiras desfermentadas.
Somos
as perdas a prazo
monumentos arcaicos na posse do medo
tiranetes escondidos debaixo de batinas
a poeira acamada em cima dos calendários
um polvo privado de fala
e a voz entoada a relapsa tinta-da-china
que ornamenta as páginas.
Somos
arrependimentos sujeitos a arrependimento
traves de aço mortiças,
pendidas sobre o precipício,
rapazes escolásticos que fingem decoro
a terrível orquestração que nos afasta dos eu
colégio de nuvens sem interior
a dançar desajeitadamente
em cima dos copos vazios.
Somos
aqueles que deixaram de ter
remédio.
São daninhos
esses bocejos esgrimidos
a destempo.
Passas a mão atapetada
pelo cachaço das ideias
e esperas
que as ideias fruam
contra a indolência dos anátemas.
Sem a correria dos diplomatas do medo
ficarias à tua inteira mercê:
sozinho sem solidão
engenheiro de verbos invulgares
o cajado à mão
para despojares as banalidades previstas.
Não adornas
no vago lado da corrente tempestuosa:
prezas o equador que faz a meação
e dizes
com a convicção de um condenado,
que estás a meio
entre a estultícia e a consagração.
Desatas as mãos
só para saberes como são
as pétalas da liberdade.
Encomendas a voz firme
contra os manuais da obediência
as litanias que somam rotina à rotina.
E dizes
(só para tu próprio ouvires)
que a maré vem cheia antes do anoitecer.
Serás imperatriz
assim que disseres o meu nome
enquanto em ti
for uma planície à prova de sol
na sela aninhada do rosto noturno
e tu
testemunha do luar insubmisso
empunhando o ar dócil de um estorninho
a tua boca diz
que são muitas as paisagens
que nos querem forasteiros.
As palavras doces sobem à boca. Desenham paisagens no corpo. Cuidam das cicatrizes. As palavras, murmuradas na beleza do estuário levitada pelo entardecer. E nós, emudecidos, curadores das palavras ateadas pela combustão do sangue, soletramos as sílabas do hino hasteado nas nossas mãos. E deixamos ao sol futuro os desembargos prometidos.