Ah!
benevolentes déspotas
que dispensais os suseranos
do incómodo do voto.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Os rios
de uma maneira ou de outra
são todos afluentes do mar.
Assim podem atestar
que as angústias todas
ficam condenadas à lassidão
mal tocam no rosto do mar.
Às talhadas
com parcimónia
o dia servido
no cálice de ouro,
medindo trinta e seis horas
(sensivelmente).
À atenção
da multidão de peritos em inglês
(tomo 3):
Engaged
não é
engajado
(a menos que queiram
que noivado
seja engajamento).
À atenção
da multidão de peritos em inglês
(tomo 2):
just in case
=
apenas no caso?
Sou
como uma garrafa
possivelmente enjeitada e deitada ao mar
sem saber
o paradeiro do marinheiro
sem saber
onde a garrafa foi rejeitada
sem saber
se a garrafa esconde no seu interior
enigmática ou não mensagem
ou apenas mensagem alguma.
Ou sou
como o marinheiro angustiado ou não
que enjeitou a garrafa
ou apenas a entregou nos braços do mar
por enfada com a rotina
ou, talvez,
porque a garrafa apenas fugiu das mãos
devido ao excesso de álcool.
Ou sou
como o anónimo que longe ou perto
alcançou a garrafa
e, vá-se lá saber,
ficou indiferente
ou a desalfandegou da estadia no mar
para saber
se escondia um segredo
ou um tesouro.
No estirador
dois êmbolos desengonçados
esperam a combustão.
Estão a par
e confirmam-se que são pares
e não é por serem em número par.
A ignição fará o milagre da química
quando o ronronar do engenho
vier alimentado pela fricção dos êmbolos.
É como uma peça composta para piano
os dedos do pianista
a percutirem as teclas do piano
enquanto os ouvidos extasiados dos ouvintes
encenam os labirintos onde se exilam:
a música
é a vacina de que precisam
como tantos outros
contribuintes líquidos
para a atmosférica poluição
a partir da fricção dos êmbolos,
imersos na combustão que os leva
de um lugar para o outro
e deste para a angústia
diligentemente anunciada
da decadência dos lugares onde vivemos.
À atenção
da multidão de peritos em inglês:
at the end of the day
não é
no fim do dia.
Saltava os versos rudimentares:
era a patologia dos apóstatas
que a si convocam a erudição exibicionista
e catalogam os pertences
segundo uma duvidosa hierarquia de preceitos.
No final de contas
não colhiam juros dessa cacofonia
e nem a pose própria da pertença a uma elite
(que não passava disso mesmo,
uma pose)
era a boia de salvação da indiferença geral
(e da particular também).
Nem que usassem lantejoulas as suas palavras
ou viessem cobertas de um oportuno despesar,
como se houvesse caução divina,
a onerosa condição do anonimato
não estava em vias de extinção.
A culpa
– murmurava
para acalmar os ânimos interiormente exaltados –
era do espelho lá em casa
e de todos os outros
conspirativamente espalhados pela cidade:
e eles se devia
a soberba de quem desdenhava do espelho puído
mas depressa o chamava como caução
da estatura tão desejada.
Não fosse a cegueira da ambição
e a teimosia em ver o seu devido tamanho
e tanto sobreaquecimento do eu
estaria condenado a severa restrição do juízo.
À sua falta
(de juízo)
e na falta de um caritativo juízo exterior
que o chamasse ao juízo
estava cada vez mais candidato
ao risível sentenciado pelos outros
que o poderiam chamar a juízo,
na persistente dilação da falta de juízo.
Ólafur Arnalds, “Only the Winds”, in https://www.youtube.com/watch?v=9eWewdTkghM
Um pedaço de lava embaraça a boca
os lábios tremem com a digestão das palavras
sábios os seios descobertos à altura da maré.
A galáxia perdida no paradeiro do escol
entardece sobre o orvalho prematuro
os vultos amotinam-se sob a lua tardia.
Na praia a areia fosca faz de penumbra
ao longe a silhueta esconde os segredos
suados os olhos que marejam no miradouro.
As estrofes ateiam o fogo na boca do estuário
contra os velhos arqueados que esperam a morte
lambendo o passado com a angústia da perda.
São doces as uvas que descem à boca
dizem que não é estéril a combustão que medra
e os dias vindouros servem-se em sonhos.
Descendem os dias da sementeira metódica
os dedos ungidos por deuses sem nome
os corpos fundidos na chuva torrencial.
Não é o adeus que combina o verbo imperial
nem a angústia que se abraça ao mastro inocente
e da rua trago um lenço cheio de versos.
Até o oxalá se esgota no crepúsculo avoengo
em gotas pequenas que esbarram na pele madura
daqui ao mundo em frágeis teclas ciciadas.
A orelha de Van Gogh,
ou a de Niki Lauda;
não a outra
atingida de raspão
por um tiro amigo.
A dança que comanda o corpo amanhece o sal que fala pela pele.
Guardo os sonhos para páginas de um tempo futuro, a moldura onde os rostos não cabem.
As fronteiras são a aposta da imaginação.
E nós, seus mecenas, só à espera das viagens que nos levam ao mundo.
Tenho quantos minutos
para deixar que a boca
seja testa-de-ferro
de meu sentir?
Os campos magnéticos
magníficos
hipnotizam os olhares atestados
são como maestros à prova de bala,
caóticos,
empenhamos na desorganização de tudo
como se um furacão varresse as fronteiras
e sob os escombros
se aproveitassem os destroços sem medo.
Por cada maré
um copo de dia para tomar conta do cais
antes de as embarcações subirem ao mar
cheias de marinheiros contrariados
e de uma faina prometida pela oração do estuário,
ou o penhor que respira por dentro da pele.
As mulheres inteiras esperam
e não rezam
não rezam
para não chamar o azar.
Confiam no sortilégio da maré
esperam do poema
o vencimento de todas as causas.
Cheiram
desde os quartos onde se consuma a solidão
a maresia distante
como se chamassem os maridos
e sob a penumbra
silenciassem as dores da ausência.
O contramestre gasta a voz
contra o mar tempestuoso.
Não sabemos nada;
nada:
se fôssemos marinheiros
qual seria o mandamento da vida
se ao sair de casa
não soubéssemos
se a ela voltaríamos?