29.11.24

#3335

Veto 

a redenção fingida 

sem a venda que veda 

o válido viver.

28.11.24

Manifesto a favor dos dias visíveis e da esquadria sem arestas

Não digas nada à escolástica

os segredos só contam

se não tiverem avesso

e de nós há de constar

nos manuais do passado

que fingimos heresias

só para termos direito

a indulgências. 

 

Não digas

mesmo nada

nada

às santas alistadas no halo do tempo

guardemos todas as mentiras

as que reservamos para as entrelinhas

e as outras

piedosas

que pouparam sobressaltos 

a exércitos de gente. 

 

Diremos

façam como os avestruzes

olhem para dentro de um poço

fundo

mesmo lá no fundo

onde as trevas escondem despojos. 

 

Dir-lhes-emos

sejam o avesso do que julgam ser

para assim chegarem

ao compassado, espontâneo eu,

lembrem-se da irresolvida pendência

de uma mentira contada à mentira

e de como os notáveis divergem

em tê-la como mentira ao quadrado

ou anulação da mentira primeva. 

 

Juntemos

as angústias que passam gratuitas 

de corpo em corpo

as maleitas sem cura 

que desenfeitam os cidadãos em grupo

a contrafação registada

a morosidade dos sonhos empenhados

as atribulações 

maquinadas pelos deuses sem túmulo

e não nos deixemos à mercê de acasos

não sejamos a porta de entrada 

de ventos contaminados

ou a persiana desbotada por entra 

o sol desmaiado. 

 

Dá última vez que demos conta

as horas vinham com atraso 

e deixamos de saber 

se os mapas eram adulterados

e nós

todavia

imunes à orfandade por falta de astrolábio

assim redimidos

no esconderijos a que demos a pele. 

#3334

São reversas

as histórias contadas 

talvez 

o ponto da situação 

sobre o princípio geral da mentira.

27.11.24

Marginal

Levo

esta adesão

infundamentada

as reticências adiadas

um espectro contagiante

e acolho no halo lunar

inverosimilhança

esta armadura

leve.

#3333

A democracia

anda sempre coxa, 

tanta é a sua estatura.

26.11.24

Candidatura ao império

Rasgo o luar pendente

as mãos diligentes arquitetas

arrastam o aluvião sem freio. 

Se da maré baixa protestar

seja credor de indulgência;

 

os pesadelos assombram os dias;

 

em matéria de ausências

levo uma cátedra inteira

cheia de trunfos

cheia

do despudor de quem obedece

à errância. 

 

Os que sabotam a boa fé

dormem como os anjos

metodicamente emparedados

entre 

a farsa ostensiva e a agressão da inteligência. 

Os rostos impassíveis viram as cartas

suam o bluff tardio

recuando nas intenções deslumbrantes

de outrora. 

 

Se há rua que atravesso

é essa que precisa de pontes

encostada na ombreira do estuário

que apronta uma hora sempre tardia. 

Parece que chegamos atrasados

Estamos

sempre

atrasados

como se os relógios ficassem para trás

para não ficarmos no leilão da solidão. 

 

Escrevam-se as estrofes imprevistas

versos que estimam a mão vagarosa 

à espera dos formulários

a mão burocrática

que não sabe desmentir a razão. 

É esta espécie de natação

mesmo à míngua de água

que faz nascer a sede perene

os braços que apertam as almas colossais

e assim se tornam ainda mais colossais

logo que desfaçam 

o enigma do seu paradeiro.

 

As páginas 

passam à cadência

de um comboio dezanovecentista

só falta o fumo denso 

que dantes matava precocemente 

os maquinistas. 

 

Só falta um piano de cauda

os dedos que massajam as teclas

na carestia de um olhar pungente

como se o poema se levantasse do piano

e atravessasse todos os fusos horários

com a impressão de um instante. 

Ficam por decifrar

as bandeiras que dão cor ao vento

as sílabas entoadas com o vagar do destempo

o remédio para a ira desvendada 

na convulsão do sangue que se perdeu

no labirinto que esconde 

as mudanças.

#3332

Rasuradas as cicatrizes expostas 

sem gesso ser afeito 

adorna-se o busto seráfico 

com o sol arrancado ao Inverno.

25.11.24

Banda desdenhada

As máscaras

caem como neve fundente

sobre homens feitos estátuas.

 

As máscaras

quando não fogem da mentira

sussurram memórias provectas

um mar insidioso de disfarces

pois essa é a serventia das máscaras.

 

Antes que venham os ontem 

cair no estuário

e que viúvos sem paradeiro 

esbracejem o frio tentacular

o gelo deita-se entre as rugas

à espera 

que tudo seja um ontem sem janela.

 

Encomendam-se as falas imprevistas

para passarem a ser previstas:

os homens não são feitos de fogo

e entre as labaredas herdadas

situa-se 

um promontório em forma de sonho

a boca havida no friso da noite

a portentosa solidão que ficou só

amanhã

com as lombadas viradas do avesso

a biblioteca nómada que se faz festim

a cada lua que passa entre a chuva diuturna.

 

Dizem:

os poetas são funcionários sem hierarquia

amotinados se tiverem regras

nómadas 

fugindo dos estreitos labirintos

onde a palavra se diminui 

no lugar-comum.

Injustiças indocumentadas (463)

Entre o fazer horas 

e o antes que se faça tarde 

abate-se

a longa luva tirana do tempo.

#3331

Os vários dedos estendidos 

dos mecenas avulsos

combinam a filantropia possível.

24.11.24

Injustiças indocumentadas (462)

No canto 

o canto do cisne 

canta e canta 

o silêncio.

#3330

Quando o último fósforo se apaga 

e a voz emudece 

aprendemos o olhar de um gato. 

23.11.24

#3329

No paço louco 

as estrias do mundo 

ou o vómito do desesperado.

22.11.24

Injustiças indocumentadas (461)

Às vezes 

apetece estar 

em parte incerta.

Injustiças indocumentadas (460)

Ainda está por determinar 

quem são os credores

dos devidos efeitos.

#3328

Por remir 

as palavras beligerantes 

na redenção que desconfia do trato.

21.11.24

Festim

A torre 

bebe do céu

a lua sem luto. 

 

O gato

espreguiça a noite

no vendaval sem hora. 

 

A flor

despojada no rio

espera sem vão pela sepultura. 

 

Os vivos

combinam um festim

quando sobem à enseada da vida. 

 

Aninhados

sem disfarçarem a pequenez

os histriónicos porta-vozes entoam silêncios. 

 

Uma ponte 

esquecida na bruma

arruma a solidão na berma. 

 

No epílogo

o rio cresce

como se à noite fosse roubado. 

 

Diz da matéria

a fundura atribulada

um relógio pardo à boca erguido. 

 

O louco

fugido aos costumes

conjuga verbos sem dicionário. 

 

O gelo

deixado em herança

espreita sobre o ombro do Inverno. 

 

Anuído o rumor

as estrofes aplaudem a claridade

no santuário onde se fazem rebeldes.

 

O fogo furtivo

antes que seja água

engana o vento esguio. 

 

Amanhã

as lágrimas extintas

ateiam o dia esperado.

#3327

A pele assanhada subleva-se 

contra as rugas que a derruem.

20.11.24

Estuário

Dou-me ao luar sem rosto

o sangue respira a noite funda

e no teu regaço

o Outono imarcescível no estuário

rima com a pele escrita na minha.

Injustiças indocumentadas (459)

Meter os pés pelas mãos 

é digno de um contorcionista.

#3326

Deixo 

a sentinela do tempo 

por conta da alma interina.

19.11.24

Manifesto-me

Não devo nada 

aos segredos que se agigantam

nos oráculos. 

 

Não peço à cordilheira

o xisto para atapetar

a alma. 

 

Não escondo

das pátrias em lacunas

hinos averbados na humildade. 

 

Não me escondo

do olhar contrafeito

e das palavras ensombradas 

por bocas extintas. 

 

Não dou posse

aos estafetas de dionisíacos cantos

nem apalavro a honra

de sereias avulsas. 

 

Não estilhaço

o rumor que sobe às montanhas

contra os provérbios arrancados

ao silêncio. 

 

Não contem comigo

para caldeiradas de indigentes

e cocktails de aspirantes. 

 

Não me façam dizer mal

das facas estultas que voejam

nós labirintos. 

 

Não me façam rir

se os obituários enxameiam a lógica

e as janelas não confirmam

o entardecer. 

 

Não me façam ser

um disfarce da última moda

o porta-voz dos lugares-comuns

atravessado nos carris 

da boçalidade.

#3325

O aval 

não procura o vale 

onde se avalia o dissídio. 

18.11.24

As vírgulas

As vírgulas ultrapassam sem prudência

o parágrafo levado pela lentidão de um ancião

como quem precisa de ostentar impetuosidade

e na mealha do dia

deixar viva a impressão digital

como os gatos fazem ao deixar 

com metódica vantagem

a urina como mensagem de coutada. 

Se as vírgulas não fossem tantas vezes atropeladas

deixariam em forma de segredo

beijos de ouro nos ouvidos dos juízes macios. 

Só que as vírgulas

estão cansadas de serem colocadas

em lugares a que não pertencem

e dessa sôfrega orfandade 

não se antecipa que tenham carta de libertação 

num tempo imerso no estofo de duas gerações.

#3324

Versado em castrações 

autuava a simples vontade, 

o eterno polícia que não de si.

17.11.24

#3323

Apeado o medo 

as mãos subiam a encosta 

no verso frígido sem avesso.

16.11.24

#3322

O mel 

descido na ossatura do dia 

enfeita as horas desapressadas.

15.11.24

Hemisfério

A corda desatada cicia a nuvem fina

acorda antes da noite deletéria

cobrindo com a sua voz distante

os rostos enviuvados dos órfãos.

 

A nuvem que corre ao vento

esbraceja nos violinos roubados

e no amurado rumor de um coração

as mãos gentis falam só por música.

 

A maresia depõe o céu constelado

amordaça as bocas que outras calam

no tapete amarrotado vertido num ermo

os corpos servidos num palco estremunhado.

#3321

No avesso das mãos 

as veias sem freio 

a seiva manancial 

a afeiçoar o seu estuário.

14.11.24

Altitude

Cotejo o robusto entardecer

à espera de a noite se deitar

vejo todos os rostos a empalidecer

 

e às horas que combinam o seu contar

roubo a rima que se admite conhecer

como se aos meros dedos o medo bastar

 

e no trono feito de amanhecer

das estrofes não se vão os homens fartar

até o luar nos corpos se enternecer

 

nos violinos que ao silêncio destinam matar

enquanto os amantes aceitam entontecer

e das dádivas se cristalizar um certo estar.