Diz-me a tua caligrafia
a pessoa que não és.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Sabemos 
o que é uma maré-viva. 
E uma maré-morta, 
é quando o tempo emudece?
Ali estava 
à espera 
de uma vaca de fundo 
sem dar conta 
que não estava na Índia.
Não dar cavaco a ninguém 
não é má ideia 
tal é a desvalorização do Cavaco.
O que se compra
com uma boca cheia de palavras?
Foi assim
em pose sarcástica
cheia de moléculas de certeza imponderável 
que amanheceu a conversa
como se fosse preciso
acordar sem aviso prévio
e os ouvidos
a que se destinava a boca sem travão
estivessem obrigados a ocuparem essa posição. 
Um logro bastante.
Tomaram a palavra os ouvidos desafiados
desta vez sua uma pose
a desobediente pose
cultora de impaciência com as frivolidades atávicas. 
Não queriam ser o caudal
por onde entrava 
a gongórica prestação de inutilidades. 
Infelizmente
as preces de uns sobrepõem-se
ao silêncio dos que
impassíveis
fogem do centro do palco. 
Se um dia 
vier um vento omisso
e do avesso a cabeça fruir num precipício
não me digam 
que é uma conspiração de Morfeu 
não me digam
que estou de avanço pelo fuso telúrico
e de mim se espera 
apenas 
a morada do silêncio. 
Se um dia
as portas decadentes combinarem 
com os veios da luz contrafeita
e eu 
aos deuses continuar sem dizer palavra
que me sejam abraçadas as bocas extáticas
a irremediável porção da noite
desencomendada aos anjos galopantes
e num arremedo de audácia
a mim 
convoquem as estrofes ajardinadas
o penhor de todos os medos
e eu
via láctea sem muros
me torne baldio não cadastrado
o amador profissional
que dá de penhor o sangue eflúvio
e uma prateleira de versos.
Um cofre arrendado ao porteiro
a parola que se avinagra nos mentirosos
essa terrível mania de falar da vida dos outros
viver – como se fosse possível – a vida dos outros
o asfalto perene que se cola ao céu da boca
e acaba com a mudez das consoantes
as diatribes de que são vítimas
na pessoa de fantasmas bem oleados
ao frequentar a disciplina 
“princípios gerais da conspiração”.
Um nabo a tiracolo
(estou mesmo a falar do vegetal)
emagrecidos pela dieta exemplar
os lugares-tenentes assobiam para dentro
à passagem de uma mulher escultural
agora são proibidos os piropos
foram extintos os piropos
a bem da antítese da masculinidade tóxica.
Amanhã
quando vierem os operários da metalurgia
vais tirar o modelo das fardas;
pode ser o futuro último grito da moda
antes que a moda emudeça de vez.
Ao nono dia 
tirou um curso intensivo 
sobre como passar 
dos atos às intenções.
O piano amortece nas teclas trocadas
e nós mentimos à idade
boémios encartados
no povoar dos lugares pródigos.
Não deixamos
que os adiamentos falem mais alto.
Passamos uma rasteira ao tempo tirano
e acabamos a rir 
como se não houvesse outro verbo.
Somos o nome da cidade 
a esquecer a vergonha mortífera.
Manual de instruções 
do peripatético pastor das massas:*
o ridículo
nem mata nem mói.
*[No dia em que é capa do DN a primeira sondagem com o Chega à frente das intenções de voto]
Ninguém perguntou ao corço
se quer participar no carnaval.
[Laivos de antropocentrismo]
Desta janela
desenhamos a paisagem.
É a nossa feitoria
como se a história tivesse parado
e os rios habilitassem as estrofes cheias.
As mãos dão nomes aos lugares
numa alquimia que cobre de ouro
as veias animadas com o vagar do tempo.
Atravessamos o luar tingido:
é nas costas do medo 
que descobrimos o segredo.
Os países 
não têm biografia.
As pessoas
não têm bandeira.
As almas 
não têm custódia.