23.9.15

Predicados mundanos

Os gansos espevitam as asas
enquanto a lua vem do eclipse.
As serviçais do convento
lavam-se na véspera do deitar.
Taxistas eruditos entoam música celta
em vez de conversarem com os clientes.
Um guitarrista cortou as unhas rente
ficou de baixa por sete dias seguidos.
Os peitos erguidos ao céu
mostram gabarito mátrio.
Joelhos protuberantes
roçam nos torniquetes do metro.
Aves canoras estão em greve
só se ouve o burburinho da cidade.
Um jovem estudante confia nos auscultadores
enquanto o mundo gira lá fora.
Muitas olheiras acotoveladas nos autocarros
denunciam sonos embaciados.
Doentes dolorosos pedem morfina
e os médicos assistem à carnificina na televisão.
Uma criança está perdida dos pais
chorosa, errante sem que lhe deem atenção.
As dondocas ao lado estacionam no quiosque
consomem as últimas novas cor-de-rosa.
Viciados em drogas caem no vício
antes de caírem no deslumbramento da noite.
Um avô arrasta os ossos até ao alpendre
enquanto espera que a enfermeira traga o almoço.
O camionista esfrega o ouvido
com o mesmo dedo que vai pegar nas azeitonas.
O escritor absorto numa ideia
e a tempestade que se abate sobre a rua apinhada.
Um gato derrete a preguiça
no cimo de um telhado soalheiro.
Uma mulher atarefada compra víveres
projeta a ementa que vai servir ao jantar.
                 
Um estorninho andaluz cicia ao ouvido
de quem o quiser ouvir
que a normalidade não é um indesejo.
Os planos no estirador são hibernação
adiam o funeral da normalidade.
Prolongam a normalidade.
Que de tanto ser normalidade
Nem é escutada nos seus rumores.

Por enquanto
e por serventia da descoragem
olhares que se saciam no tempo hoje
devolvem os planos às imagens céleres
que correm na tela veloz que é centelha
no olhar.

Sem comentários: