25.11.15

Lagosta suada

Um charuto gordo.
Um espirro sonoro.
A voz bem colocada.
A foice da justiça.
Os pés (enfim) calçados.
Sem chapéu, nem véu.
Tosse (também) bem colocada.
Pose grave, senatorial.
A verdade, incontestável.
Os olhos que não suam.
As mãos limpas.
A ausência de pecadilhos.
Um ror de virtudes.
Um exemplo a seguir.
O vinho francês, de reserva.
Os livros educacionais.
As frases contundentes.
O peixe gordo.
A verve iluminada.
Os categóricos imperativos.
A impossibilidade de divergência.
Porque a razão e a verdade são.
Os atilhos bem apertados.
O degredo ao potestativo contraditório.
As flores amarelas (que só podem ser amarelas).
A estrada sem curvas.
A leitura acrítica.
Os gurus do pensamento.
As estações do tempo no seu lugar.
O amigo dos pobres.
O fautor das equidades.
Dois dedos de conversa com a maré.
Os óculos desembaciados.
As botas acintosas.
A custódia da verdade (outra vez).
Um piano afinado.
As manhãs sopradas pelo vento lúcido.
As frases com sentido.
Os ardis empacotados.
As mãos largas.
E o dinheiro,
que há de vir de algures.
Mais uma horda bem-comportada.
Agradecida.
Penhorada.
Aos artífices das equidades todas:
exigível homenagem.
Sem dissidências admitidas.
Não sob pena de cárcere
(que seria mau para os pergaminhos).
Mas sob pena de dedo apontado.
(O que pode ser ainda pior.)

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