Primeiro
subia ao
promontório mais perto
para desenhar a
paisagem
com o lápis que
era o meu dedo.
Deixava o rosto
nas mãos do vento
enquanto os
olhos do avesso
terçavam os
ângulos ambíguos
das coisas em
redor.
Desembrulhava os
equívocos
à medida que as
páginas mentais
cosiam as
bainhas do tecido roto.
A espuma do rio enfeitava
a paisagem.
Segundo
fui ao cais
velho
sentir o peso da
madeira gasta
e o perfume do
musgo perene.
Perguntei ao
velho marinheiro
se ainda havia
sereias
e se eram deusas
como contam os contos.
Mas o velho
marinheiro ensurdecera.
Não tive outro
remédio
se não adivinhar
a resposta.
Combinei as
águas salgadas e pútridas do cais
com as demandas
trazidas pelas nuvens
alimentadas pelos
ventos de norte.
Combinei as
palavras urdidas
os rostos
entristecidos
as mãos gastas
dos marinheiros
como as do velho
que não respondera.
Anoiteceu.
Terceiro
errei pelas ruas
movimentadas da cidade
entre néones e
mulheres ávidas
até desaguar num
bar sombrio.
Descobri as
palavras desfocadas
através do vinho
barato.
Insultei os
arrependimentos
que eram memória
futura do passado baço.
Descobri os
cambiantes da penumbra
e que a penumbra
não é palavra singular.
Sem saber
fiquei a saber os
segredos de um cozinheiro
que carpia mágoas
ao balcão.
Com o olhar
embaciado
resolvi meter as
pernas ao frio da noite
restante.
Quarto
achei que ainda
não era a hora
de me recolher
ao quarto.
A cidade,
abandonada ao
silêncio
e com pessoas
raras nas ruas,
era apetecível.
Ignorei os
avisos sobre meliantes noturnos
desconfiei que
as desgraças avisam portas alheias
e continuei a andar
sem destino
pelo que sobrava
da noite
restante.
Dei conta que a
noite amaciava
à medida que despontava
a alvorada.
Não sabia onde
estava o sono
e nem o cansaço
apoquentava as pernas.
A revoada de
pensamentos incessantes
tropeçava nos
passos ávidos
nas ruas e
avenidas desertas que,
não tardava,
começavam a ser
afluentes de gente.
Não sei onde
deixei o sono.
Não sei onde
ficaram as respostas
às interrogações
formuladas
nem tão pouco me
recordo
se, sequer,
houve respostas.
Quinto
o tempo fora
implacável.
À noite branca
seguia-se um dia
como os outros:
o trabalho no
escritório
o chefe
macambúzio
os colegas
tacanhos
as notícias
gastas
o outono que
mais parecia verão decadente
os mendigos com
olhar perdido no firmamento
as mulheres de
saltos altos em passo lento
os restaurantes
vazios
o condutor de
autocarro com óculos de sol
os veios da
carne sangrando
dos sobressaltos
deitando gotas na carne viva
enquanto as
dores eram vertidas
nos outros.
E sexto:
aprendi,
no conciliábulo
desenhado a vermelho-sangue,
entre o fumo
denso do tabaco
e o cheiro a
hálito de vinho,
que os ossos são
duros
para serem
derrotados
pela decadência.
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