Tirando os olhos embaciados
e o ganir dos cães amedrontados
os verbos amedrontados em estrofes malsãs
os idiomas vicejavam
numa Babel sem cidade.
Os arrumos das almas estavam cheios
muitos queriam esconjurar
peças inteiras herdadas do futuro sem data
propondo estafetas entre os dias consecutivos
sem precisarem de bênçãos literais
ou de envelopes com tiragem restrita.
As sílabas eram seladas com válvulas mecânicas
e toda a pluviosidade recolhida em vasilhas
para não haver
lamúrias baseadas num estio delongado
nem se atearem as celestiais discussões
sobre clima e aquecimento e poluição.
(Só discutem
os que perseveram em estado de negação
e os que lhes dão atenção
querendo negar o seu estado de negação.)
Os aflitos anciãos agarrados aos corrimões
avançam com a sofreguidão do vagar
protestando
contra as intempéries do tempo
e de como ele conspira.
Ninguém lhes dá ouvidos
ao serpentearem com as vozes trémulas
e as palavras trémulas que não chegam a ser
dominadas pelo silêncio avassalador.
Pintam-se rosas selvagens numa parede avulsa.
Vozes sem bússola chamam pelo poema
como quem suplica pelo sono
(vencido pela insónia).
Se os testamentos fossem vitalícios
ninguém movia as pedras do cais.
Ninguém ensaiava o exílio
em litanias sem regra
nos estilhaços de si mesmo.
Mas depois
há uma geografia sem latitude que chama
o distinto lugar que entroniza a manhã
em beijos demorados que costuram as bocas
à medida que os corpos avançam para o eclipse.
Não se atirem moedas aos déspotas
que sejam entoadas as entontecidas estrofes
que desenham a pele suada em câmara lenta
bebendo as alvíssaras
que descobrem a bala perdida
como se ela quisesse ter paradeiro.
Alguém diz:
somos satélites
essa é uma periferia que se cola à pele
a média que nos exaure como ambição centrípeta
no pródigo desengano que traz a indiferença.
Se o mundo fosse medido pela métrica adiada
não havia diagnósticos pueris
nem atrasos sem calibre.
Convidei os demónios para o jantar.
Fizeram de conta
que não era com eles.
Amassado pela impertinente dúvida
tirei o casaco às desculpas
para o perdão não ficar à mercê de preces.
Depois de todos os sumiços
com a versão imperfeita de mim
a guardar-se para momento tardio
juntei as artes todas junto às mãos
e proclamei a anarquia interior:
doravante
seria o pior dos insubmissos
dando cobertura aos desdém dos outros
todavia indiferente
por outra ser a bandeira minha
sem saber nunca para onde viram os feiticeiros
atirados à arena onde se jogam os acasos.
Muito gostava que o sortilégio dos pesares
não pesasse sobre mim
e deixasse por pastorear
(talvez, por exemplo)
os baldios que nunca quiseram dono.