25.6.25

Injustiças documentadas (550)

As forças vivas da cidade 

eram aquelas 

que não tinham o cemitério 

como residência. 

#4130

A jarra-legado 

e as flores que esperam 

a lenta decadência.

24.6.25

Injustiças documentadas (549)

Tempestade 

é a majestade 

do tempo.

#4129

A mão do escrivão destoa, 

amarelece quando esbarra 

nas palavras sintomáticas.

23.6.25

Efeitos retroativos

É quando apetece

recuar à meninice

só para sentir

por fingido que fosse

que o mundo 

lá fora

se cinge 

às imediações

de mim mesmo.

#4128

O fado que destoa 

um pano negro que se hasteia 

o lamento murmurado.

22.6.25

#4127

Este 

é o licor das palavras 

que se embebem 

na estética da alma.

21.6.25

#4126

Os ossos coçados 

encostam-se num parapeito 

e protestam: 

tardia vai a vida para mudar.

20.6.25

Hospitalidade

Por cada lampejo de vaidade 

a inflação dos seres acompanhava 

os estouvados.

 

As mãos escorregavam no abismo

e as sílabas voavam mais depressa 

que a fala.

 

Antes que fosse noite

folheava as páginas da véspera

à procura de perguntas.

 

Por muito que suspeitasse

a reparação da pele

antecipava-se à mentira.

 

Este era um lugar hospitaleiro

um feixe de portas abertas

à prova de espantalhos.

 

Se as almas tivessem asas

eram de toda a parte

ao acaso.

#4125

As bandeiras agitadas 

sabem ao sangue corrompido 

dos modernos atávicos.

19.6.25

Injustiças documentadas (548)

Também existe uma ética 

para a roupa anterior.

#4124

As palavras desatadas 

são como vulcões noturnos 

nas bocas agitadas que matam 

o silêncio.

18.6.25

Escombros

Por vezes 

os escombros 

são como vinhos 

de colheita tardia.

Injustiças documentadas (547)

Até tirava o chapéu, 

fosse dar-se o caso 

de envergar o mesmo.

Injustiças documentadas (546)

Está tudo pela hora da morte.

E qual é a hora 

a que a morte se faz anunciar?

#4123

Suam 

as palavras apertadas 

pelo estio impiedoso

como se gotas fossem

as sílabas que as compõem.

17.6.25

Manual de instruções das rugas

As rugas 

desenham a assimetria do tempo. 

São como cicatrizes dos sismos havidos

fraturas dantes expostas

traduzidas para tatuagens salientes. 

As rugas 

não falam pelo tempo pretérito

só falam no presente cheio de melancolia;

ou então

no terrível desamparo do tempo urgente:

nem sequer há tempo 

para o olhar se deter no espelho

e cortejar as rugas que não escondem 

a antiguidade. 

As rugas 

emprestam um consolo subvencionado

admitem no portal do tempo

a sua usura com os corpos. 

Não é por conta de milagres

que são adiadas na nomenclatura 

da idade. 

São como catedrais:

credoras de estatuto

no cansaço do corpo compensado

pela lucidez montada na sela da quietude.

#4122

Em noite de somas

colhe os vestígios 

no estuário onde a lua 

se retrata.

16.6.25

Uma espécie de Torre Eiffel

Alvíssaras

das boas

daquelas com o baixo patrocínio

de uma alta patente

ilegível

com o beneplácito dos que usam cabeção 

– nunca se desprezem as cabeças à solta

e o erário privado

e as desengonçadas danças

de imprevidentes aprendentes. 

 

Que sejam roídas as unhas

mas sem ser de inveja:

antes 

um opúsculo impecavelmente encadernado

do que um vinho do Porto de olhos em bico

 

(se me é consentida

a expressão talvez levemente racista,

mas em todo o caso

protetora da DOP respetiva 

– costelas durienses noblesse oblige). 

 

Antes 

a chave perdida 

ou a fechadura por abrir

um druida ancião 

na posse de segredos de Estado

do outro putativo,

sósia do seu tutor em fala e raciocínio,

aspirante a nivelar por baixo

ou um mediador de seguros

desamado até por filisteus correligionários. 

 

Os que estiverem virados para esta moda

montem-se em tamancos:

muita será a água metida

sem submarinos por perto

um bibe para aparar a baba

ou uma cautela para amparar desditas.

 

Antes o simulacro

de uma Torre Eiffel

“tipo”.

#4121

De partida em partida 

o lenço hasteado 

a semente da saudade.

15.6.25

#4120

Um t comprido 

estiolado no entardecer 

com as sílabas encostadas

e o vinho fresco a calar a boca. 

13.6.25

#4119

A máquina recorta o tempo

com um tricotar relampejado 

que o fere de inveja.

12.6.25

Injustiças documentadas (545)

Estou empenhado 

e isso é bom:

sou engenheiro e operário

ao mesmo tempo.

Estou empenhado 

e isso é mau:

já só sobram os dedos.

Injustiças documentadas (544)

A palavra dada 

é a menos gratuita.

Injustiças documentadas (543)

Eis 

os bolbos 

da corte.

Injustiças documentadas (542)

Que iguaria 

serão as botas 

para haver quem se dedique 

a lambê-las com deleite.

#4118

Remexe o sal do dia 

e no garfo amoedado 

limpa a ferrugem 

que teimar.

11.6.25

Múltiplos

Não havia tempo

para todas as personalidades interiores

se as batinas adejavam 

com o seu ar inquisitivo

como se lhes devemos a pira da vida.

A tempo do tempo maldito

acostumavam-se as diferentes personalidades

em socalcos com lugar marcado

à espera do entardecer

agarrados ao vinho possível.

Diziam:

os mártires são como mercados fantasmas

com uma correspondência gramatical

a aliviar a consciência condenada a provações.

Com o aval das feiticeiras sem rosto

apanhei o céu com as mãos inteiras

e guardei-o junto ao peito.

Não haveria de precisar do céu

outra vez

para ler os estados animados

e rejeitar as farsas animosas. 

#4117

Lesiva 

a corrente que desembala 

o ar mutilado que mata 

a respiração.

10.6.25

#4116

O que vemos 

pelo olho cego 

do poeta?

9.6.25

Aprendiz

Sem saber o que saber

atirei os dados ao seu sortilégio.

não sei se sairia um amanhã

ou a repetição de passados

intermináveis;

se seria amnistiado por um fado elevado 

ou por uma estrada inclinada e sinuosa;

se haveria de vir à fala 

ou ficaria aprisionado ao silêncio;

se seria eu a varrer as cinzas de antanho

ou a admirar o poente ao entardecer;

ainda hoje

já não sei quantas luas depois

ainda estou à espera 

de saber pelo saber

o que o saber tem 

para eu aprender.

Injustiças documentadas (541)

Os assessores 

transformam o assessorado 

um acessório.

#4115

Não há ideias caducas.

O tempo é que não se atrasa.

8.6.25

Vindimado

Mando-me às mangas arregaçadas 

destapo o mapa sísmico 

onde a força se admite

ganho o corpo de ametista

e deixo em legado um léxico frutado

no promontório por onde entram as marés. 

 

Cuido dos sentidos 

na procuração da luz clara

contando os dias na aritmética nua. 

 

Às vezes tusso para fingir o medo

ou para fugir dos fretes avezados na rotina

para depois escolher o exílio

e de mim esconder o espectro assanhado. 

 

Outras vezes

só me apetece não saber dos dias

beber do vinho fecundo que atrasa o tempo

e deixar por conta das folhas caducas

o remoço que ascende da corrente funda

que pertence ao caudal intransigente.

#4114

Às vezes 

apetece agarrar o vento 

e ver onde ele me leva.

7.6.25

11:26

Se levares 

a água aos lugares-comuns

acabas testa-de-ferro

dos provérbios populares.

#4113

Sentados 

num palimpsesto de farsas 

e a mentira 

gravada como verdade.

6.6.25

Mil sóis

Mil os sóis que se põem

outros tantos são os alvores

prometidos.

Os olhos embebidos no sono

a jura da madrugada

e de trespasso

os sonhos atiram-se 

para dentro de outras vidas 

verticalmente assíduas.

Mil os sóis que se põem

sem nunca serem ocaso total:

lugares de outras latitudes

acendem o sol 

enquanto noutro a noite triunfa.

Os sóis têm de ser mil

eles que nunca têm o sono por atalaia.

#4112

É o tempo que agride o corpo 

ou o corpo

que não se esquece do tempo?

5.6.25

Imparcialidade imperfeita

Corre à meta sem pressa

a miríade de lugares

espera o olhar demorado

uma estrofe amadora

um par de fotografias

a emoldurar o tempo dedicado. 

 

Estende a mão indulgente

ele são tantos os errantes

e podem aprender

com os transvios que frequentaste. 

 

Adormece no lado errado da lua

não tropeces no engodo da perfeição

que exaustivas são

as juras aos palcos livres de rasuras. 

 

Aproveita 

a demora do tempo

não te hipoteques a resoluções

nem te intimides pelas que falhaste

para isso o tempo 

é uma medida curta.

#4111

A pele em ebulição 

convoca o vulcão

e a carne abraça-se

em convulsão.

4.6.25

Terraplanagem

Um cânone a mais, 

que pretendem como esteio

que não há excesso 

quando se fala de cânones.

O maçarico irrompe

subversivo:

anuncia sem ardis

ao que vem:

cânones há

que têm de ser sabotados

e a excessiva existência deles

fará com que ao ato beligerante

seja ao acaso.

No final 

quando o desembaraço da pendência 

for constituído 

se dirá 

o que sobra da civilização.

#4110

Nas páginas de um dia banal 

o corpo anestesiado erra 

no tempo anónimo.

3.6.25

Vinil

Anoitece o ramo frágil que amadurece no dia. 

A valsa sem diuturnidades cobra um estipêndio

não é de lama que se eviscera um nome

no provérbio de causas alinhadas com as árvores. 

Diziam:

não te deixes retalhar pelos arneses cómodos

não sejas aquele que diz a última palavra

não aninhes a cabeça no pomar onde cantam

suseranos impecavelmente cativos de ninharias. 

O que não diziam

era como atingir com os dedos

o sumptuoso tesouro apalavrado nas intenções

onde procurar a escotilha desembaciada

o que fazer com toda esta fortuna 

que não cabe dentro de números

a solene didascália que perfuma dias militantes

entre camadas de nevoeiro outonal

e as bocas que bolçam liberdade. 

O entardecer

transigindo na sardónica solidão

emudecia o sol;

a noite 

é sempre uma pátria sem certezas

o lugar desabitado que suplica os sonhos

a tabela de marés perfumada por jasmim

a voz cavernosa do comandante 

quando põe os homens em sentido

e os malditos desumorados

que fogem do destino 

como eu fujo

de canja. 

Está é a minha sindicância

plateau debruado a purpurinas de nada

a voz miada pelo canto dos olhos

o dissabor escondido em pepel de alumínio

ou uma task-force cheia de testas-de-ferro

gente de impecáveis pergaminhos

e de prosa laudatória e gongórica

num mútuo onanismo que requenta o nanismo. 

Os dardos apontados a eles,

companheiros atirados para o lugar dos párias,

apontados sem piedade,

que como eles 

detestaríamos ser.

#4109

Sangram as lágrimas 

no luar amaldiçoado

encomendado

a pequenos deuses.

2.6.25

Sonoplastia dos destemidos

O sismo fende as veias

no grito sancionado

que arruma o medo 

em plásticas cores mudas.

 

Tolhe os músculos

convocando o magma fundo

sem deixar sem freio 

a boca destemida.

 

Se admite vozes malsãs

em vez de concórdia banal

procura os sons dissidentes

como mnemónica da noite selada.

 

Entregue à sonoplastia cirúrgica

em marés iconoclastas

grutas sem claridade entreaberta

e escadas à prova de corrimão.

 

Os violinos não desdenham 

paradas de multidões em silêncio

são eles os feitores dos sons

sobrepostos aos emudecidos corpos.

#4108

Arremete sobre a indiferença, 

a jugular lateja de angústia.

1.6.25

#4107

Sobre os despojos do dia 

o corpo desliga do tempo

penhor do sortilégio da noite.