19.9.17

#315

Indignu, “Onde as nuvens se cruzam”, in https://www.youtube.com/watch?v=TKuhFGKZp4w    

Não sei nada de velhice
nem dos escombros do corpo gasto
desde que o meu sonho sejas tu.

#314

O rapaz cobiça o gelado da menina;
prevenção do atlas futuro.

Sangue fervente

Ferve o sangue
desembaciado dos penhores
destravado das baias fundas
cuspindo a ira fundida
sem atalhos profícuos em rima
sem espinhos dentados em dilação.
Ferve o sangue
do fundo de mim
em levas sucessivas
com o fogo incensado
no entardecer vagaroso
e as veias circundantes num esgar de dor.
Ferve o sangue
sem termómetro a uso
nas rodas perfeitas do dia inteiro
desagravo militante dos pesares sentidos
a terra negra humedecida nas mãos
e a boca expedita
que busca
palavras gentis
palavras furacão
os beijos que adornam a ternura.
Ferve o sangue
no fogo desalinhado
no fogo mestre
sem cadeiras por perto
sem lastro a medir o passo
apenas a imensa paisagem por limite
e a vertigem da cadência ímpar
em relógios loucos que se fazem notar.
Ferve o sangue
e eu quero que ferva
no desamparo dos virtuosos
no sopé das varandas marginais
nos mares longínquos, prometidos
na matéria líquida em vocábulos inventados.
Ferve o sangue
eu sei
desejo de carne nas mãos
as veias carnudas à boca do vulcão
na tomada de posse de um corpo não meu
feito meu
pela combustão de sangues ferventes.
Sei o domicílio que é meu cais.
Sigo o rasto do sangue fervente
o rasto de estrelas cadentes
a pulsão indomável do corpo meu
que meu não parece
e se incandesce 
nas achas acesas da fogueira sortilégio
a fogueira que dá corpo aos corpos
e adestra o demais
o vulcão singular que é chamamento.
Ferve o sangue
sem reparo
sem justaposições nem venenos
sem o menor lapso nem tergiversação
apenas com o pulso aberto
por onde se enxameia o suor destravado
o néctar sublime do desejo
as paredes entrecortadas pelas mãos dadas
a inexplicável sede dos poros abertos
na fusão imediata dos corpos
no sangue
comummente
fervente.

18.9.17

#313

Não se exaure o filão
acervo intemporal, imaterial
um vesúvio por dentro das veias.

Pirâmide

Tirando o avesso ao estuque
para nudez desarmada
círios afivelados em sua pureza
palavras sem vento
curadoria.
O norte sem bússola
forte diamante nos despojos da manhã
convoca o filme a preto e branco
em tela amaciada
por olhos sem prisma. 
Porventura
nas areias movediças
sob a ponte ergástula
levantam-se indomáveis cavalos
deitando a crina rebelde
contra o vento desossado. 
Os braços não caem
nem diante de sombras marasmo
ou de demónios disfarçados de elfos bondosos. 
À noite
o norte desnatado
confere notas doces
e os sonhos enfeitam-se
com flores campestres
colhidas no ventre de deusas sem rosto.

17.9.17

Incógnita

E as levas sucessivas de escárnio
sem hipoteca do remorso
como ondas imparáveis
crescentes
dedilhadas pelos perseverantes
sardónicos curadores do género,
que dano trazem?
Dizem:
oxalá má língua não houvesse
e os olhos servissem para falar a eito
nos olhos outros
sem desvios nem atalhos
apenas a lã caprina das palavras destravadas
sem esgar desmentido
ou simulações acanhadas;
apenas a cor das pedras gastas
e o suor escorreito enfeitando 
as palavras por dizer. 
Ninguém sabe
em casos tais
o deslinde do labirinto. 
Ninguém sabe certificar
se a espécie seguidora de tais comandos
seria sufrágio de melhores pergaminhos. 

16.9.17

#312

Das amoras decadentes
promessa
de colheita vindoura.

15.9.17

Boreal

Na variedade de sonhos
uma luz boreal
desenha o mapa transparente. 
Ao acaso
o percalço furtivo tem enlace
fora do perímetro conhecido;
somos apenas testemunhas
na lente proporcionada
sem viveiros cingindo ideias
apenas o olhar desembaraçado
rigoroso.
Sabia que a luz boreal
é a voz certa da quimera.
Em vez dos sobressaltos
(metidos em anestesia líquida)
antecipei as rugas contidas
no tratamento boreal.
Não é todos os dias
que desembarcam fenómenos no cais.

#311

Deixei o rastilho desmaiar,
sentinela do palco sem cortinas
na dívida de palavras lucrativas. 

14.9.17

Contrato promessa

Trazia dentro do peito
as viagens genesíacas
as molduras intemporais
as vidraças dissolvidas de penumbra
as palavras arredondadas
as marés perfumadas
os dados combinando sortilégios
as armas embainhadas em hibernação
uma constelação de danças matinais
e os livros aprendidos no totem do saber. 
Tirei ao acaso
entre folhas vertidas em cima da cama
o jogo estimado 
a magnífica clepsidra transparente:
saiu-me
a promitente aura do presente. 

#310

Vésperas murmuradas
em páginas ágeis
nos mundanos carrosséis sem freio.

13.9.17

#309

Agulhas baionetas dinamite neutrões:
do artesanato iracundo
da humanidade.

Par ou ímpar

Um periscópio
bem lustrado
requerido para olhares vagarosos. 
São de tal cepa
(estroinas solteiros do pensar)
que nem charlatães aformoseados
chegam para os endossos precisos. 

Não importa. 

Os azulejos desbotados
são azulejos na mesma
e o desbotado não deixa de ser cor. 

Pior:
os vistosos penhores de almas
sacerdotes à prova de defeito
ajuramentando-se pergaminhos ímpares
marqueses da prosápia balofa
mão inteiramente necrosadas
e, todavia,
incensando um imenso nada
ou padas estéreis dos lugares-comuns. 

Em arbitragem desafiante:
menos mal 
sobressaiam os madraços pueris
pelo dano menor desarvorado. 

12.9.17

#308

Na enseada
saltamos para dentro do tempo
na combustão das mãos ávidas.

Joalheiro

Seria como um joalheiro
e dos dedos precisos
filigrana desnatada
devolvendo o redondo às esquinas
sob a jura de um polimento matinal.

Acabados os pesares sobrantes
os despojos deixados ao chão
estimam as novas ruas atapetadas
pela quimera graciosa
destinada ao luar.

No meio de sombras
despenhando as aranhas tentaculares
no óbito afivelado
como um joalheiro tem engenho:
emprestando rigor e arte
e a luz transpirada dos raros artefactos
em suor desenhados
no perfeito compasso do perímetro jogado
o joalheiro,
ou dir-se-ia,
o alquimista dos elementos
emprestando às manhãs
o ciciar rarefeito e rouco
de pássaros vadios em voos rasantes.

Nas gotículas matinais
de que os campos se servem
ajuramentada condição
dos primordiais ascetas de tudo
como se diz dos joalheiros
em trovejante demanda pelos céus coalhados.

11.9.17

#307

Croissant.
Croix sante.
Croit sans.
Crois saint.

Erupção

Erupção perpétua
sem cinzas
só lava
a lava sem freio
comendo o chão inferior
metendo-se no mar frio
o mar frio fazendo da lava pedra.

O vulcão promitente
desprende-se das balsas meãs
faz-se senhor da sua própria alforria
e as pessoas à volta
impassíveis
medrosas
metem-se em seus pelos eriçados
à espera de complacência.
A erupção perpétua
um movimento astuto
selo de deuses sem rosto
ou de anjos transidos pelo medo
ou apenas dos mortais
cobertos pela mortalha da sua fragilidade.

E, no entanto,
na sombra da erupção
a seiva escorre pela encosta:
casas escorreitas tomadas a eito
nos jatos inspirados
a lava impressionante
carnuda
combustão
num palco embalsamado por escolares néones.

Não é abismo
nem retorcidas hermenêuticas divinas
por intermédio de sacerdotes acanhados.

A erupção
a erupção perpétua:
o lacre do desejo infundamentado
na enseada estreita
onde corpos nus se entretecem
na dança uníssona.

#306

Itinerário sem intendência
apenas superfície alisada
no estirador dos ascetas.

10.9.17

#305

Ora,
a hora em que se ora
hera que era sem era
na ira da vontade trespassada. 

Fim de estação

Fomos espreitar o verão
desde a embocadura do rio.
O mar revirado
e a espuma gasta
em folhos sucessivos.
Da varanda sem corrimão
o batel atravessa o rio
e vê
na esquina do olhar,
o mar precoce à espera do rio.
O verão
em seu esplendoroso entardecer
lamenta
a sua decadência.
Opõe-se-lhe
em estertor estival a destempo.