19.9.17

Sangue fervente

Ferve o sangue
desembaciado dos penhores
destravado das baias fundas
cuspindo a ira fundida
sem atalhos profícuos em rima
sem espinhos dentados em dilação.
Ferve o sangue
do fundo de mim
em levas sucessivas
com o fogo incensado
no entardecer vagaroso
e as veias circundantes num esgar de dor.
Ferve o sangue
sem termómetro a uso
nas rodas perfeitas do dia inteiro
desagravo militante dos pesares sentidos
a terra negra humedecida nas mãos
e a boca expedita
que busca
palavras gentis
palavras furacão
os beijos que adornam a ternura.
Ferve o sangue
no fogo desalinhado
no fogo mestre
sem cadeiras por perto
sem lastro a medir o passo
apenas a imensa paisagem por limite
e a vertigem da cadência ímpar
em relógios loucos que se fazem notar.
Ferve o sangue
e eu quero que ferva
no desamparo dos virtuosos
no sopé das varandas marginais
nos mares longínquos, prometidos
na matéria líquida em vocábulos inventados.
Ferve o sangue
eu sei
desejo de carne nas mãos
as veias carnudas à boca do vulcão
na tomada de posse de um corpo não meu
feito meu
pela combustão de sangues ferventes.
Sei o domicílio que é meu cais.
Sigo o rasto do sangue fervente
o rasto de estrelas cadentes
a pulsão indomável do corpo meu
que meu não parece
e se incandesce 
nas achas acesas da fogueira sortilégio
a fogueira que dá corpo aos corpos
e adestra o demais
o vulcão singular que é chamamento.
Ferve o sangue
sem reparo
sem justaposições nem venenos
sem o menor lapso nem tergiversação
apenas com o pulso aberto
por onde se enxameia o suor destravado
o néctar sublime do desejo
as paredes entrecortadas pelas mãos dadas
a inexplicável sede dos poros abertos
na fusão imediata dos corpos
no sangue
comummente
fervente.

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