20.9.17

Água termal

Ah,
se ao menos soubesse
o estio das ideias
o vendaval noturno das almas sem medo
os gatos disfarçados na penumbra
os dedos acesos contra a luz
os candeeiros do avesso em paredes claras
as orquestras vazias
as cadeiras vazias
as flores sentadas à cabeceira
os livros amarrados ao silêncio
as vidraças embaciadas de suor
as alvíssaras das nuvens furtivas
os lampejos dos ossos vadios
os piões da infância
os sultões das verdades gastas
(e por isso improfícuas)
os tiranetes do hedonismo
os lacres das modestas palavras
os beijos em rostos arrefecidos
os beijos nos lábios amados
os corrimões sem ferrugem
as esquálidas fachadas da cidade frágil
as ruas mostruário
os arranjos da alma
a alma desamarrotada
as guitarras troadas ao acaso
o bálsamo distante
as rosas-água nas jarras perdidas
os navios pérola
o sal desenganado em fúteis diálogos
os deuses destronados
os cálices sem rosto
as viagens anotadas na pele
as tatuagens firmadas em sonhos
as danças sem palco
os mastros irados
as garagens penhoradas
os rivais em rios amigos
as noites sem sono
o sono sem noite
a cozinha aberta e jornais despedaçados
os velhos sem medo
os juros sem matéria
e os dinheiros sem jura.

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