[Crónicas do vírus, CCCXXXVI]
Quantas mortes,
as havidas e as que pendem,
são precisas
para castrar as liberdades?
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
[Crónicas do vírus, CCCXXXVI]
Quantas mortes,
as havidas e as que pendem,
são precisas
para castrar as liberdades?
Fixo
os dentes
no povoado
onde esquálidas
prosseguem as virgens.
Determino
os verbos
na gramática
onde esquecidas
erram as metáforas.
Provoco
a maresia
no mar grosso
onde esperançosas
se soerguem musas.
[Crónicas do vírus, CCCXXXIV]
Empenhados
no estalão da sorte
(ou do seu antónimo)
meros peões
de um jogo de acasos.
Por onde me escondo
na atalaia dos desacertos
em conjuração com as armas embestadas
que alisam as páginas altivas.
Angariem-se cicerones avalizados
para a meã partilha do moderno
esconjurando as balizas arcaicas
devolvendo ao mosto pútrido
os anciãos que fogem da báscula do tempo
penhores da imodéstia dos Homens
no seu refúgio apalavrado
em versos sem curadoria.
Pois se mecenas somos
é no dorso audível das caravanas
onde se desmata o pretérito
que perdeu o paradeiro.
Sem a custódia dos ogres
que a mão sensível
não tem mesura.
O corrimão heráldico
tem o seu avesso:
finas
as filigranas
em corpos beócios.
Nunca houve juramento
dos jumentos encartados
que se disfarçaram
de pergaminhos distintos
– e não era carnaval.
[Crónicas do vírus, CCCXXXI]
Como numa estrada de montanha:
à descida até ao vale
segue-se tortuosa subida.
[Crónicas do vírus, CCCXXX]
Diz-se
que da transfiguração
somos devedores,
mas as vidas continuam
visíveis.
Estes são os emolumentos:
a fazenda sem remendos
um copo pronto
o beijo mareado a tempo
a glória do tempo por haver
a matéria-prima dos piratas sem pejo
a versátil varanda
de onde se agasalha o dia restante
o corpo hasteado.
Um bom negócio
por estes modestos
emolumentos.
[Crónicas do vírus, CCCXXIX]
Passamos
a falar
por onomatopeias.
(Devo terminar
com um ponto de interrogação?)
Minha faço a ilusão
do arrojo no gesto desalinhado
na improvável feição do dia órfão.
Que nenhum tributo seja devido
aos anciãos que chegam a destempo
aprisionados em suas gólgotas
apenas à espera do golpe final.
Ouso pronunciar
a ancianidade procrastinada
uma dádiva como espórtula
ao incalculável sopesar do viver.
Viver
em militante contrário de marés
tal como o polegar
sempre em contramão
da mão a que pertence.
Desfaço o corpo
em nuvens circenses
o tópico de uma coreografia
sem costuras
gutural
a umbria que se acotovela
na indiferença
à procura de equinócio
à procura
do santuário onde se sublimam
os prazeres.
Desfaço-me do corpo
e sinto ficar
apenas
com o despensamento.
[Crónicas do vírus, CCCXXVII]
Foi feitiço
de loucas Tágides
ou vingança
dos deuses enlouquecidos?
Uma bola atirada aos impropérios
(bola negra)
juízo sem juízo
ou
simples artefacto à procura de artesão
a meio da selva tonitruante
onde os relâmpagos se apagam
na boca cheia de fogo
dos déspotas.
Impurificam-se as avarezas
(bola negra)
e o cinzel adestra as formas
no torneado deslumbramento
que enxameia a matilha dos ufanos:
sem o ardil do espelho industriado
não são famosas
as formas manifestadas
(bola branca!).
O resto
Fica para a diáspora
E para os seus diletos fautores
(bola negra, bola negra!).
[Crónicas do vírus, CCCXXVI]
Ecos da desumanidade
agora que somos
e em incremento
bonecos de plasticina.
Não dou
de leasing
o corpo estuário.
Que não seja
franchising
por incúria da lascívia.
Não sou como outros
peritos
do marketing
de si mesmos
e no fundo
irrisória cópia
do que se ufanam ser.
Nem destoutros
que ensaiam
o outsourcing
em miragens que são a quimera
que os mantém desagarrados
na hibernação.
Anuncio sem modos
que dispenso
o benchmarking
por quadrar em meus limites
as capacidades
que sei minhas.
Não desenho outro
background
que não seja o do
meu lastro.
O pequeno barco
inunda o rio
na presença do entardecer.
À proa
o comandante apessoado
arruma o dia
no fusível dos arquivos.
Sabe lá
os nomes dos passageiros
enredado na urdidura da navegação
serpenteando entre boias
que mapeiam os rochedos
submersos como armadilhas.
Nem o manifesto lê,
o comandante;
não quer saber
dos nomes
a não ser
da parafernália
que habita a casa das máquinas
dos cardeais cartografados
e dos que se hasteiam
na sua privativa bandeira de consumições.
O que importa
é o lugar seguro no cais
à espera do navio
e a palavra de conforto da consorte
quando a noite se acende.
Seguro o passaporte
na véspera do dia surdo
e sou
eu mesmo
a bandeira que voluteia
num esgar do espaço.
Seguro,
que os sismos nascentes
sobressaltam as veias
e da miríade de paisagens
na retina aconchegam-se
as aleatórias.
Este é o fado da identidade
o grosseiro erro de estimativa
de que mestres de escola
e outros supinos educadores
fazem códigos de instrução.
Na mealha da minha boca
um decálogo imprudente
(dirás)
matéria involúvel ao tornado divisa
o enxerto sem vestígios dos sequazes.
Na minha boca
os verbos impróprios
a teia
(dirás)
quase gongórica
uma gramática sem paradeiro.
O pulso lento
desponta no sangue inteligível:
desconheço
de que matéria sou feito
a não ser
da modesta ambição
da invisibilidade.