Luta.
Luta livre.
Luta,
livre dos calos
da luta.
Luta livre,
no livreto desfolhado
da ausência de armas.
Livre
sem a luta como nome
no lisérgico desempoeirar
à luz mediana.
Uma livre luta.
Livre da luta.
Livre.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Luta.
Luta livre.
Luta,
livre dos calos
da luta.
Luta livre,
no livreto desfolhado
da ausência de armas.
Livre
sem a luta como nome
no lisérgico desempoeirar
à luz mediana.
Uma livre luta.
Livre da luta.
Livre.
A espada canta
os silêncios trespassados
no cofre onde se confere
o dilúvio.
A espada não é certa,
no mosto avinagrado
onde se desfazem as palavras.
A espada
não fala.
Falam por ela
os guerreiros,
de alma em riste
empenhados à loucura.
Muitos sabem ser da espada
a palavra final.
O chão caiado
com as flores moribundas
da buganvília
(não é um ladrilho da decadência
nem a agonia
cuspida da boca de um vulcão)
é o mosaico da imortalidade
o tapete púrpura
que recebe o corpo marmoreado
a invetiva contra a defunção.
(Ou a sepultura
a que apetece doar
o corpo desarmado.)
[Crónicas do vírus, DXLI]
Excessos de vontade
esbarram
na fraqueza da memória.
(Ou no esquecimento do tirocínio?)
[Crónicas do vírus, DXL]
Em força para as esplanadas
como os néscios
vão ao mar sem saberem nadar.
Quantos decibéis
tem a manhã
que fala em meu nome?
Todos
os que se amontoam
na véspera das juras
enquanto o tempo avivado
não se cumpre.
Quantos arco-íris
são precisos para a tela
onde tem estampagem
o rosto sem disfarce?
Todos
os que reúnem
as cores que as divindades orquestraram
mais as que junto ao inventário
enquanto as bocas ciciam
os segredos sem nome por perto.
[Crónicas do vírus, DXXXIX]
Filhos da impaciência,
endossamos a espera
para os juros de mora
do tempo sem garantia.
Efervescem as luzes
devolvendo os porquês
que nas trevas tinham cessado.
Sem saber da simetria dos cabos
uma enseada clara apurou o sortilégio
e erradicou o inverosímil adeus.
As luzes
na sua maturidade
acusam os vultos pela insónia rebelde
e não se atemorizam com represálias.
As luzes
que efervescem
são as mesmas que irradiam
das almas que não se rendem.
Ou o chão pedregoso
incansável
deitando os reis ao chão
e corando as arestas
que sobram da margem contrária.
Não se obedeça aos imperativos:
a madrugada estiolada
confrange os espíritos avisados
e basta uma pergunta bem costurada
para virar o jogo do avesso.
É o colóquio que se estima
no inventário das almas que contam.
A chama não flácida
a palavra em riste
como espada que mistura
os ingredientes da iguaria esperada.
A manhã acostuma-se,
desarma os mastins que,
descarnados,
são pouco mais do que matéria inorgânica.
Lá fora,
o jardineiro confere novos limites à relva.
Ninguém falou de chapéus
ou de uma lua para além da nascente
onde se promete um rio tumultuoso.
Dar a cara
é um mito
uma extravagância
que não quadra com o sensível.
Se a cara
é o espelho visível do que somos
quem
no seu apurado juízo
a entrega gratuitamente?
Sem esquecer
que a dádiva da personalidade
é o suicídio dos direitos básicos
e será
decerto
prática banida pelos tratados internacionais.
Nem os mais generosos
os mais desprendidos
aqueles que não encontram motivos
para serem quem são
se encontram nas furnas onde,
dementes,
os cândidos dão a cara.
E mesmo que a dessem,
davam com que propósito?
Ao esófago do poema
uma endoscopia:
exige-se hermenêutica apurada
ou o leitor
ensarilha-se num logro.
Se ao menos
a poesia tivesse metalurgia
e uma formatura de equações
estivesse em equação
a matemática
com a sua exatidão irrefragável
cuidaria de colonizar a poesia.
Ainda bem
que as letras
são o povoado da diferença
lídimas notárias
da inexaustiva arte da interpretação.
[Crónicas do vírus, DXXXV]
A peste
não é uma mentira
– e dizê-lo não viola
o código do dia das mentiras.
Pedes sol
dou-te estrofes.
Pedes verbos
dou-te a planície.
Pedes hoje
dou-te árvores.
Pedes sede
dou-te lugares.
Pedes mar
dou-te o meu corpo.
Pedes luar
dou-te páginas.
Pedes um panteão
dou-te os nós
que desatámos.
Não se compram
os pseudónimos vilões.
Maldita estratosfera
que conspira com o vinho
e nenhum dos pseudónimos escapa.
Não se perdoam
os piratas sem bandeira.
Oxalá houvesse mar
e um sextante profissional
rodasse as marés a preceito.
[Crónicas do vírus, DXXXIII]
Na vizinhança do pesadelo
gastando trunfos
até ficar gasta a manga.
Do tumulto
em forma de lápis
sobra uma montra,
o edificado de palavras
que se sublevam
no tirocínio dos cientistas.
Não se contêm,
as vírgulas e os adjetivos,
no mote da sobre-palavrosa lápide
onde costumam ter poiso
os grandes eruditos.
[Instrução de leitura:
prolongar o som da primeira sílaba
na palavra “grandes”.]
Repito-me.
Não tenho mais nada
para dizer.
O ferro solto
espera pelo selo abraseado
enquanto a fogueira se excita
e o amordaçado ferve de medo
(disfarçado de brio).
Não se estilhaçam
os verbos exauridos:
os carrosséis amadores
não se agigantam
no avesso das dores
e as palavras repetidas
podem não ser matéria gasta.
Repito-me.
Talvez
por não ter nada mais
para dizer;
ou talvez
porque essas palavras
resumem o medo do amordaçado
antes de ser marcado
com o brasão dos estultos.
Repito-me:
o brasão lacrado na pele
é a pior das tatuagens perenes.
[Crónicas do vírus, DXXXI]
O hálito descarnado transpira
na caverna onde a peste
gravou a devastação.
[Crónicas do vírus, DXXX]
Uma espada
perpendicular,
sem saber se abate
sobre as inocentes cabeças.
Ao canto da mesa
escondem-se vultos
disfarçados de anjos,
imberbes.
Falam.
Sobre eles
adejam caixas de diálogo
com as legendas do que dizem.
Nota-se a profusão de onomatopeias.
Ninguém apurou
se os querubins falavam
por interposta metáfora
ou se eram literais
– termos em que
seriam disfarces de anjos
ou os anjos neófitos
ganharam autorização
(superior)
para o vernáculo.
Falta o apuramento dos factos
sem o qual
o sono não deixa de produzir efeitos
e os demais
não são destinados ao desamparo de causa.
[Crónicas do vírus, DXXIX]
Exortação:
não percamos de vista
o juízo
(na forma do siso, que nem sempre há).
Como se adolescentes
fôssemos todos.
[Crónicas do vírus, DXXVIII]
(Variante do #1955)
Somos contramestres
da originalidade
quando menos dela
precisamos.
Estou zangado com as palavras
e atiro a matar
contra as claras que se acastelam
no hipotálamo da cisão.
Não sei se as rasuro,
às palavras dissidentes,
pelo topete de se agigantarem contra mim
e quererem colonizar o meu sangue.
É desigual
o terçar de armas:
as palavras nem sabem
que com elas me zango
e não darão devida conta
do meu rasurar impenitente.
Mas essas palavras insubmissas
que torpedeiam o meu apenas estar
(não poderia dizer que é bem-estar)
colhem o lilás das bandeiras
e enfeitam as janelas com cadáveres de flores
povoando os lugares
com pútrida
poluição.
Não viro a cara ao terçar de armas
com as palavras com que me zanguei,
por mais que elas esbarrem
fragorosamente
no conceito do meu rosto
que parece
a carne para canhão
(como é na linguagem castrense).