9.5.21

Nihilism

Your right to say no.

You’re right to say no.

Drift the unnameable

on rosy shades voicing the void.

Then

while waiting for the aftermath

spell it out 

conspicuously

“no

hereby I say no”.

By any means

and so forth.

#2003

[Crónicas do vírus, DLXXV]

 

Nós,

os incendiários,

a um parágrafo

da redenção.

8.5.21

#2002

[Crónicas do vírus, DLXXIV]

 

Aos estilhaços abraseados,

o antídoto terçado

com implacável labor.

7.5.21

Desmonarquia

O molde puído

esconde a verdade da pele.

Não se atira fogo ao lago

nem a trovoada se encanta

por sereias fantasmas;

no fogaréu alinhado

as vozes entontecem-se no mito banal.

Não são as janelas que deixaram de abrir:

é o desmodo de viver

o planalto onde se semeia a aridez

a grotesca exibição dos excendentários

a fábrica de transações a descoberto

onde os alpinistas sem escrúpulos

sobem na medida da descida.

A verdade da pele

arranjada sob o disfarce das cicatrizes

estilhaça o molde puído.

#2001

[Crónicas do vírus, DLXXIII]

 

Nunca perdemos

o paradeiro do ouro.

6.5.21

Espiritualidade laica

Ouvi dizer

“às zero horas”.

 

Soube

enfim

da possibilidade

de cancelar o tempo.

#2000

[Crónicas do vírus, DLXXII]

 

A excitação

antes de tempo 

– ou a cobiça do futuro

se cumprir 

antes de o ser.

5.5.21

Bacia hidrográfica

Cabeça em água.

Cabeça

na água.

Cabeça.

sem água.

Água.

Sem cabeça.

Ou:

água 

na cabeça.

Água 

(que) encabeça.

#1999

[Crónicas do vírus, DLXXI]

 

Já não falta muito

para sermos matilha

(outra vez).

4.5.21

Ditch

Me versus myself

a mouthless sword

dying to dare 

at the doorsteps of the void. 

Me against myself

on the verge of defeat

a woe made of a stiff leash

thriving

(who dares to know?)

the breath of success. 

Me or myself

or else

the flipside of mourning

against shaded tears

jawing the tree into de knees 

of the dawn.

#1998

[Crónicas do vírus, DLXX]

 

Recolhemos

os fragmentos perdidos

nas ruínas da peste

sem vontade de sermos 

o mesmo filão. 

3.5.21

Jardim botânico

A aguarela sentou-se no lago

e deixou que o espelho de água

falasse por si.

E antes que a noite tivesse pressa

não deixou que a plateia 

se exilasse no olvido.

 

Deitou a mão ao entardecer

e emoldurou a aguarela

em lugar imperial.

 

Não saiu do lugar,

não fosse o lugar sair do sítio.

 

Na manhã que se seguiu

a aguarela era a continuação

do lago

e ele,

o pintor encomendado,

esquecimento puro de si mesmo.

#1997

[Crónicas do vírus, DLXIX]

 

Rasurados

depois de rastos desterrados

tanto tempo. 

2.5.21

O soldado da vaidade

Foi ao fundo da alameda

que branqueou a confidência:

“Eu não tenho chefe,

tenho inteligência.”

Logo depois

hasteou a bandeira da vaidade

(confundido pelo sol

que feria o olhar).

#1996

[Crónicas do vírus, DLXVIII]

 

Já não somos

de plasticina.

(E alguma vez

deixámos de ser

de plasticina?)

1.5.21

O sonho armilar

O sonho

no seu próprio anzol

sobreposto

à matéria venal:

o sangue armadilhado,

à espera de tempo.

#1995

[Crónicas do vírus, DLXVII]

 

O mundo está pronto

para ser albergue

outra vez.

30.4.21

Patrulha

Estragão

(ou outra erva qualquer,

não se sabe)

ceava 

nos espinhos da coroa do escolhido

devolvendo um aroma

que o suor houvera curvado.

Os discípulos ciciavam

à espera do anoitecer:

o escolhido parecia enfraquecer.

Sem demora

encomendaram umas tisanas

que os espinhos se desprendiam da coroa

e o escolhido já só parecia

uma miragem.

#1994

[Crónicas do vírus, DLXVI]

 

Liberdade doseada,

às colheradas,

com o advento de maio

(que é depois de abril).

29.4.21

Check and balances

Não digo

no espasmo da fala 

que seja acintoso,

o Napoleão.

Podia ser

que o pusesse em diálogo

com Séneca

 

(ou em caso de indisponibilidade,

com S. Tomás de Aquino).

 

Napoleão teria de esperar pela rifa. 

Sagaz,

tentou subornar o espírito do concurso. 

Foi o seu maior erro:

Kierkegaard podia ensinar,

sem a catedrática pose

que não tolera o contraditório,

que os espíritos são

à prova de subornos. 

Napoleão resignou-se. 

Antes Napoleão por um dia

do que os discípulos em barda

pressurosamente ensinando o desdisse. 

 

Assim como assim,

não há auroras boreais

por estas paragens.

#1993

[Crónicas do vírus, DLXV]

 

O futuro

está quase

a começar.

28.4.21

Música

Escondemo-nos na música

o idioma sem ultraje

geografia sem rei.

 

Escondemo-nos

a música como cenário

nem que seja

só para desenjoar do mundo.

#1992

[Crónicas do vírus, DLXIV]

 

A redenção,

alinhavada no prelo.

27.4.21

Banho-maria

Atiro o alfabeto

contra a boca sedenta

e reverto a toada a favor

dos órfãos de sentido.

As letras

desenho-as com o cinzel furtado.

Meto-as numa aguarela primaveril

e desminto os ogres que voluteiam

entre os hemisférios perdidos.

À força de um labirinto

depois do ermo lugar

junto as mãos todas numa clepsidra:

oxalá sejam artífices

do mais alto verbo

e depois de um depois

se cumpram na fértil andança dos mares.

Dizem:

que não venham venenos sem antídoto

que não se soergam no ocaso

os mastins celebrados por atrocidades

que falem baixo

os tiranetes sem guarida;

que não se desestime a laje secular

o adro que não perde os velhos em repouso

a crisálida que se deita nas flores sedentas.

Amparo o alfabeto,

antes que fique órfão.

#1991

[Crónicas do vírus, DLXIII]

 

Com a espátula da vontade

raspamos

as cicatrizes do medo.

26.4.21

Estribo

Não se diga

do que se disse

ser mentira;

se não

das mentiras

sobra um senão:

uma vírgula a enodoar

o rosto sem prazo.

#1990

[Crónicas do vírus, DLXII]

 

Preparamo-nos

para o festim da liberdade

sem dar conta

dos custos da extravagância?

25.4.21

Matinal

Espreito

pelos interstícios

onde ecoa a penumbra. 

Espreito

a madrugada em sentido

o vocabulário tenente

que é o aforro dos tardios. 

Espreito

este dorso incansável

que promete o amanhecer sem demora

o visível contrabando da fala. 

Espreito

a madrugada sem sentido.

#1989

[Crónicas do vírus, DLXI]

 

Agora

começamos a sair

da miragem que foi nossa

prisão.

24.4.21

#1988

[Crónicas do vírus, DLX]

 

Ainda não é a altura

para a cartografia 

dos danos.