Cismo
com o sismo
que é meu cisma.
Do sismo
que a esmo
me crisma.
Nesta cisma
rejeito o carisma
contras os ismos.
Se no sismo
valido o istmo
cismo que sou cisma de mim.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Cismo
com o sismo
que é meu cisma.
Do sismo
que a esmo
me crisma.
Nesta cisma
rejeito o carisma
contras os ismos.
Se no sismo
valido o istmo
cismo que sou cisma de mim.
Vago a pele na tarde sem marca.
Havia musgo
versos e sintonia
entre a amálgama do saber
e o vazio da morte.
Se em meu pecúlio me escondo
não é um estertor a carpir um futuro;
é a serena exposição dos abetos
arbustos como outros
a notável indiferença que somos sem mágoa.
A tola esperança na fadiga dos estetas
agrava os fusíveis sem escala
e nas trevas ferve o destemor
por conta das mãos contundentes
que não se desalojam das raízes fundas
a razia a prazo no pranto sem juras.
É neste magma que ordeno a lava.
Façam-se por conta das anónimas preces
os volteios que
registados
se fundam nos vitrais.
Entre a maré da tarde
e a incontinência da noite
sou eu
marinheiro sem praça
a estiolar no clã que se estremunha
eu,
perdidos os versos na armadilha da fala,
sentido com tanta prodigalidade.
Da marca
não registada
levo a pele
aberta por tatuagens sem autor.
[Crónicas do vírus, DCCXXXV]
Legados da peste (51):
a vida é um jogo
sem se fazer
um jogo com a vida.
[Crónicas do vírus, DCCXXXIV]
Legados da peste (50):
a liturgia dos oportunistas,
uma procissão inacabada.
Antes que seja cedo
e as miragens se abracem ao corpo
a fala angustia-se no teatro da rebeldia.
Ao entardecer
contam-se os abismos esquecidos
sem povoar as paredes com a prematura candeia.
Não se deixam louvores
aos mártires de outrora
pois deles é o heroísmo em volteios pueris.
[Crónicas do vírus, DCCXXXIII]
Legados da peste (49):
o breviário da vida
a opulência
nunca esquecida.
Arrumam-se as sílabas
no quarto onde o hotel
se faz toponímia.
Não tropecem nas palavras
como se uma fala ávida as apressasse
ditando a bulimia da gramática.
As palavras não têm pressa.
Só se a intenção
seja semear a eito
entorses na fala
e terminarmos
na impossibilidade de entendimento.
(E isso seja de propósito.)
[Crónicas do vírus, DCCXXXII]
Legados da peste (48):
oxalá
quem legifera
tivesse aprendido
a lição da elasticidade.
[Crónicas do vírus, DCCXXXI]
Legados da peste (47):
as emboscadas
não se dispõem
no tabuleiro dos pressentimentos.
Esta é a errata:
o fogo recenseado
agita a madrugada.
As mãos estendem o luar
cozinhando as estrelas outonais.
A noite não está sozinha
apesar das aparências.
Os vultos despidos
acenam pela promessa da manhã.
Não sabem
da sua transfiguração
em esqueletos válidos.
A roda-viva
joga-se
contra o olhar amedrontado.
A roda
está viva
e falta saber
se o medo é a medida válida
do olhar.
A vida à roda
não pede alvíssaras
e os vultos assisados
ficam a léguas do medo castrador.
A vida roda
e o olhar sem freios
tem a fala mais alta
embainhado nas fronteiras de onde falam
os deslimites.
[Crónicas do vírus, DCCXXIX]
Legados da peste (45):
temos a certeza
que já não andamos
em areias movediças?
Os versos pagãos
não têm escolta.
As suas mãos almiscaradas
não se arruínam na doca da noite.
Acotovelam-se os disfarçados
como se a sua dança fosse ardil.
Os versos pagãos
escondem-se no crepúsculo.
Ditam as sílabas
para o túmulo onde descansam
as vozes mutiladas.
Não precisam de regresso:
a eternidade da véspera
cuidou de os emoldurar
nas árvores marmoreadas.
Os versos pagãos
são a voz flagrante
conjeturada no ermo onde falam
os silêncios.
[Crónicas do vírus, DCCXXVIII]
Legados da peste (44):
as estátuas que faltam,
ou a mnemónica
dos tributos em débito.
Não espero grande colheita do saque.
A matéria vã recusa a solidão.
Entre a teimosia do nanismo
e o precipício dos néones
os nenúfares inertes não se escondem
nas sombras.
Os meticulosos dizeres prostituem-se
por quem os treslê.
Não é a noção de desperdício
que avança a caução.
Já tive a minha dose de embaixadores.
Não vou pelas poses estadistas
nem sufrago os mentores de apocalipses.
Sou de uma alcateia sem nome
a marca registada sem registo
e ao tira-teimas entrego
as teimas impertinentes
só à espera de pronunciamento de culpa.
Disso não espero pelo juízo alheio.
[Crónicas do vírus, DCCXXVII]
Legados da peste (43):
dedicatória aos ausentes
na anamnese dos tempos.
Fiz desta ametista
um dócil obelisco
não por falta de rima
mas por ausentes armas.
Desavencei-me da matança
não por armas ausentes
mas porque acabara de ser coroado
com a ametista,
o meu o obelisco.
Se perguntarem
direi
em intervalo das empreitadas
que não fugi dos medos;
apenas fui eu
estuário por dentro de um delta
dádiva de um esbracejar descontínuo
na alma emparedada pelos lamentos furtivos
escândalo por vezes,
talvez,
um arroubo fruindo do caudal da natureza
sempre, sempre,
na recusa de um nada.
[Crónicas do vírus, DCCXXVI]
Legados da peste (42):
seremos o futuro
arroteado
pela semente de outrora?
Um tumulto
convoca a lava
e as horas ficam
sem apeadeiro.
Os tontos
levam de vencida
o jogo onde se jogam desejos
– são embaixadores da descautela.
No íman da manhã
por cima da chuva destemperada
os olhos combustíveis
são devolvidos à letargia:
não combatem flagelos
nem acreditam em incendiários
na mais funda desilusão
dos outrora dedicados seguidores das bitolas.
Já não há lugares ideais
nem idiotas úteis.
Sei
que o destino
não é uma doença
calculada por deuses
sem paradeiro.
O destino
é o oráculo do passado
sem as dioptrias dos prescientes,
dos eunucos à medida dos desprazeres.
[Crónicas do vírus, DCCXXV]
Legados da peste (41):
os dados estão lançados
e o futuro
não se faz esperar.
Do osso fundo
não franqueia
a publicidade.
Os artistas inválidos
não chegam
às ordens do pesar.
Se não fôssemos destratados
como imberbes impensantes
e a verve não seguisse a puerilidade
um módico seria recolhido
desta que é uma árvore
desmatada.
[Crónicas do vírus, DCCXXIV]
Legados da peste (40):
ainda falta o inventário
de todas as cicatrizes
das batalhas travadas.
(Em dia de “reflexão” legalmente obrigatória em véspera de eleições)
São as desarmas
que têm voz
no espaço horizontal
que se atravessa
entre a matérias diferentes dos dias.
A boca arranca um verbo ao silêncio.
Joga-o
contra os mastins disfarçados
que colonizam a tirania
também ela um ardil.
No gotejar noturno da lua
enquistam os boémios a matéria sanguínea
como um dia fosse feito de noite
e as arcadas sinónimo de desarrelias.
O resto
fica conta dos acasos
que em descasos se armadilham
à espera da alvorada baça
e dos corpos ainda mal acordados,
estremunhados no sarcasmo da rotina.
Os olhos não vêm nada.
Mergulham
no niilismo da alma que os traduzem.
Se as migalhas varridas das vésperas
forem a poluição de uma alquimia
tirem-se à sorte as lotarias
joguem-se os corpos
contra a ebulição dos dias marasmos
e de um golpe só
vindimem-se os idiomas que se fundem
nas bocas várias que se entrecruzam.
Os horários do futuro
são um segredo que todos sabem.
Não há voto mais democrático.
Olho
por dentro do olhar
as cordilheiras amparadas no corpo
e arrumo a pele glacial no corrimão do dia.
Olho
para dentro do olhar
a macieza dos livros fartos
e da foz onde as palavras se fundem no fogo
trago as cortinas desalojadas
as janelas pendendo sobre a matriz da manhã.
Olho
depois do olhar
e encerro nas arestas gastas
o aprumo do passado.
Olho
por cima do olhar
por não ciciar segredos ao vento de atalaia
e caminho a esmo
sem temer os vultos perenes que esbracejam
no lugar mais ermo de todos.