8.1.23

Nome trespassado

Um nome trespassado;

feixe atravessado 

por um luar

antídoto da decadência

que investe contra a vontade

contra

o desejo de sabê-la

ausente.

Trespassado:

um nome

o meu nome

sepultura dos dias sem rosto

a ausente marca registada do medo,

um nome

esquecido.

Nome

só nome

sem matéria

sem História

ermo de futuro

um nome estilhaçado

nos precipícios vulgares

nas palavras banais

nos lugares eles sem nome.

Trespassado

pelo verrinoso coabitar

em formulários contumazes,

o cianeto da História do futuro

ah! o cianeto

com fórmula deixada por conta da desmemória.

Se em vez de nomes

houvesse danos

dolo puro e sintomático

a vingança baronesa

palácios destituídos de vidraças

e as manhãs habitadas por vultos,

talvez 

os nomes fossem resgatados da hibernação

devolvidos a um sentido

conformes com os corpos a que dão expressão.

Se em vez de ser ao contrário:

nomes somos

sem correspondência com a matéria conforme

reféns de pura insubstância

agravados 

pelos corredores estreitos do fingimento

trespassados,

lá está,

trespassados

pelas modas que não sabemos

serem doenças.

#2644

A ateia 

ateia 

a teia 

e tem

uma epifania.

7.1.23

#2643

O último a sair

deixe a mortalha

por arrumar.

 

[Lei do menor esforço]

6.1.23

#2642

Fiquem

as palavras improferíveis

por conta das cordas de violinos.

5.1.23

O apátrida de alma

Se a alma não me esquece

neste tribunal de especial instância

em que minha pária condição se atesta

hei de ser credor de absolvição?

 

Se da alma não esqueço

cumprem-se mil costumeiros arrependimentos

antes que seja intentada a indulgência máxima

no fojo ermo onde se move a medula sísmica. 

 

Se não for intencional o exílio da alma

hei de povoar a herança

com o nefasto odor a vazio

decretado por vultos eminentes

nos corredores de um labirinto medonho. 

 

Se a alma não se sublevar

peticionando o irremediável meu estatuto

hei de ser suprimido do inventário geral

dissolvido na chuva ácida 

do olvido. 

 

Se à alma não disser adeus

serei 

– quem sabe? – 

pirata de mim mesmo

tarefeiro sem serventia

um coloquial abstinente das matérias ingentes

apenas

magma sem fundo

engenheiro sem matemática sistemática

errante

errante como me dispus

neste tabuleiro pútrido

onde têm cabimento os sequazes

os diligentes patriarcas do princípio geral da farsa

com olhos disfarçados

pele mumificada

e sua, essa alma,

sua

a alma que sua a improfícua cacofonia

de quem muito diz e pouco faz. 

 

Nestes termos

me declaro

apátrida de alma.  

#2641

Cunhada a má moeda,

em averbamento 

de prisão perpétua.

4.1.23

Não dirás uma só palavra à metafísica dos costumes

Trinta dinheiros

não era a paga dos hereges;

seriam 

 

(se a justiça fosse 

mesmo

divina)

 

os juros devidos

pelos pagãos

por quererem um céu

e indulgências a cobrir

todo o pretérito.

 

Por menos

 

(muito menos)

 

houve corruptos

apanhados em falso.

 

E ainda protestam

os majorados embaixadores das igrejas

que são desavantajados

pela força centrífuga do hedonismo

 

(que as tira de moda,

às igrejas

entretanto acossadas 

pelo atavismo).

#2640

O coração em riste

devia ser admoestado

com cartão amarelo.

#2639

Hoje

não sei 

de antemão

de que cor foi

ontem.

3.1.23

#2638

O estribilho

era vadiar

sem embaraços

sem pudor.

2.1.23

#2637

Se

ao menos

a devassa

estivesse

de valsa...

1.1.23

Descuido

Amanhecem

as cordas viúvas

no tojo que aloja o nevoeiro. 

As coisas

alimentam-se, baças,

num lampejo de água. 

Não se escondem,

extasiadas no seu fulgor,

na senda válida do dia madrigal. 

Nem as impurezas

extinguem o verso bisonho

que espera pela caução da manhã. 

Não se digam 

esperanças da redenção

antes que se sitiem as palavras fortes. 

Agita-se a pele

libertada dos fogos que a consomem

vertida, enfim, num capítulo maior. 

#2636

O dia das intendências

tem a boca atada

à cauda onde se entretecem

os remates.  

31.12.22

#2635

As estatísticas

são apenas 

uma dança dos números,

sem gramática. 

30.12.22

#2634

Para a reificação 

do puro complot

só falta o Arlequim

loucamente percorrendo as ruas

nu. 

29.12.22

#2633

O mosto que se mostra

não é a lava fundida

que fala por um vulcão. 

27.12.22

#2632

Não contes

com a posteridade

para narrar o passado.

26.12.22

#2631

A janela descida;

o sangue que areja.

25.12.22

As bocas carnudas

As bocas carnudas

as que falam por dentro do silêncio

sabem a maresia

ou uma redução de maresia

da maresia pagã

que acompanha o caudal. 

 

As bocas carnudas

estimam-se superiores

contra maldições

e divindades afins

na véspera do foral que autoriza 

o mais fino calibre da areia

em que se estilhaça a cidade. 

Injustiças indocumentadas (59)

Para andar

à pala

é preciso bater

a pala.

#2630

Não te pesarás

no dia de natal.

 

[Mandamento constante]

24.12.22

#2629

Dia de vistoria

dos petizes peticionários

pelo barbudo de vermelho

enfarpelado.

23.12.22

Manifesto contra os heróis

Sob tortura

o segredo

os vintes agora no selo

e a bandeira

ah! a bandeira

o peito às balas

se os heróis forem admitidos

a concurso

 

(não existe a certeza

sobre a pendência).

 

Sob tortura:

que os heróis

candidatam-se à imortalidade

lá,

de onde não conseguem sentir

o sabor da imortalidade 

sem chão.

 

Quanto ao demais

um nome numa rua esconsa

ou numa nota de rodapé

em obscura dissertação de História

não são a paga devida

pelo mito mal disfarçado.

Injustiças indocumentadas (58)

Agora 

que a míngua de água

teve epílogo

já são autorizadas

as barbas de molho.

#2628

Dali

Dali saiu

para o panteão.

Injustiças indocumentadas (57)

Palavra de desonra 

(ode à mentira).

22.12.22

Tabelado

Como areia 

que se torna aresta 

no olhar,

o altar

que amanhã se atesta

como ceia. 

 

Como fugitivo

que não resiste 

à decadência,

a dissidência

que não desiste

como imperativo. 

 

Como angústia

que adia o pressentimento

no oráculo,

o ósculo

que rejeita o sofrimento

e dita a simpatia. 

 

Como fortaleza

que treina os nervos de aço

no cenário,

o bestiário

que germina o embaraço

e desfaz a fraqueza. 

Injustiças indocumentadas (56)

Perder 

o norte

e encontrar 

o sul.

#2627

Arregaço o frio

em novelos 

de cinzento nevoeiro

e digo à manhã

que não me derrota o torpor.

21.12.22

Como torcer o pescoço ao idioma sem dar conta do perjúrio

Escuto as palavras espancadas

como gritam no eivo da entorse

e vejo

como indiferentes e ínscios

prosseguem os fautores da tortura.

 

E escuto as palavras espancadas

e às vezes

sinto-me acossado

por não sermos credores

do idioma que tornamos contrafação.