Pela hora da morte.
Pela
a hora da morte.
Apela à hora
da morte.
Há hora da morte.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Pela hora da morte.
Pela
a hora da morte.
Apela à hora
da morte.
Há hora da morte.
Corsários que deixam o mar suado
cruzados que sobem as árvores imodestas
sacerdotes que sepultam o pecado
artesãos descuidados com o véu lúcido
eruditos a estagiar numa taberna viciosa
beligerantes castrados nas desoras da vida
aspirantes demitidos no ato
cozinheiros que devolvem segredos ao mar
procuradores sem mandato desovado
mecenas sem latitude material
tiranetes condenados à solidão
cúmplices adestrados no contorcionismo
estetas mergulhados na feiura
vozes que se servem do silêncio
boémios extasiados com a manhã baça
mendigos amesendados em hotéis superiores
capitalistas a provarem a suína fatiota
ácaros militantes que dispensam o labor
treinadores de almas que empenham o unto réptil
distraídos a beberem o dia pelo artelho da bota
primeiros-ministros que parecem quintos
rececionistas que mendigam bondade
avarentos que escondem gorjetas puídas
sonhadores que apanham um avião intercontinental
generais que fazem a incontinência.
Que acordamos dizer
na estiva da maré
– que palavras
juntamos com as mãos
à servidão de que nos isentamos?
Dei sementes ao lago furtivo
os nenúfares atravessavam a margem
e do idílico fazia novelos em forma de luar.
De cada vez que o cimento pedia corda
regressava aos atávicos humores
os costumes esconjurados
em meia página de sono.
Depois
em aldeolas erráticas
subia o pulso fraco e fazia-me cordilheira
um anjo sem coroa nem domínio
fogo haurido no pedestal das vozes híbridas.
Se não pudesse saber a manhã das palavras
fugia de mim por dentro da carne tingida
o dorso curvado nas escadas desarrumadas
como se em bocejos se contivessem
as juras que dão cor ao mundo.
Todavia
as bandeiras avulsas sossegavam a mentira:
era preciso contar mentiras
até às próprias mentiras
em nome próprio ou na procuração arregaçada
para que ninguém fique em detrimento
para que ninguém
ficasse em dívida à mentira
e ela seja o trono que a todos democratiza.
Não se foge da penumbra altiva
os estilhaços advertem os sobressaltos
em contínuo
na miragem das palavras acertadas:
desenganem-se
os colonos do amanhã
os feitores de quimeras por empunhar
os embaixadores do obsoleto
os párias que perderam povoamento:
o amanhã espera a conjugação atempada
e será a vez dos apocalipses verem desmentida
a data.
Em vez de sermos
exílio por fora.
Antes de sermos
matéria puída
no avesso do tempo.
A tempo de sermos
alguém
depois dos fantasmas.
É este o desatino
que me alicerça
este
o destino
em forma de barca
por onde me retiro
do abismo convocado.
Este
o areal tingido
pelos vultos dos náufragos
o imaterial testemunho
de uma vida vindoura.
É neste mar
que me antecipo
ao passado
em esgrima com o grotesco
o arsenal sem marca
que merca as cicatrizes
embalsamadas.
Este
o mar minha morada
o largo espelho de vozes
um sufrágio inteiro de equívocos
o arrependimento disfarçado.
Um favor
aos militantes do não casamento:
desposar é fronteiro a despojar.
Arrumo os lençóis da angústia
na mortalha deduzida
ao penhor da razão.
Assimilo as vontades que se angariam
o salvo-conduto alistado
nas desoras do medo.
Os poucos remédios acreditados
erram nas estantes empoeiradas.
Não são as poções diligentes
que amadrinham no peito preparado
para dias amuralhados.
Aos hinos histriónicos
dou de oferta tiros certeiros
vou ao coldre
com a pressa de matar mitos.
Este é o vício manancial
um querer sobreposto ao medo
calendário visível por dentro da fornalha
infernal
e a boca insilenciável
que investe contra as vendas
ela própria invendável
insaciável.
De toda esta fome
uma boca hasteada
desenha a cordilheira
a abóbada onde os segredos
sabem da guarida contra as cicatrizes.
Virtudes eclipsadas:
protestava o elitista
com o consentimento
do moralista incorrigível,
que de pantanas está o mundo
e já não têm serventia
as preces encomendadas
aos druidas habituais.
O monárquico afoga-se nos prantos
enquanto emagrece no saudosismo
o boçal já não acredita
que as mulheres tenham direitos
(ou, vá lá, um leve direito ao orgasmo)
o latifundiário todavia falido
lamenta que queiram banir as touradas
o reacionário beócio levanta estandartes
contra os prevaricadores que sopram a poeira
o beato condói-se só de supor
que se fornica desalmadamente
por este mundo
dentro.
Em movimento paralelo
o ilustre intelectual força consensos
sob a capa ultrajante do único pensamento
(que jura abjurar)
o profeta de futuros apocalipses
embebeda-se
porque o mundo já devia ter acabado
o erudito continua convencido
que deve ser um pastor das iletradas massas
(cansou-se de genuflexões arcaicas)
o pastor social
dependem de um rebanho para apascentar
a ditar imperativos categóricos
enquanto enche a boca de democracia
e engana os tolos com papas
e um jovem precocemente militante
convencido que é lente dos mais velhos
arrota postas de moralidade.
O crepúsculo
amadurece por dentro
da pele.
O olhar
tingido pela madurez
sem adiamento.
A carne
não desarma
das intendências.
A claridade
arrasta as intempéries
sujeitas a outras latitudes.
Digo
que as feridas abertas
dispensam suturas.
Digo
que as cicatrizes vindouras
são o espelho de um estado contínuo.
Aprendi
a prescindir da severidade
em nome de um nome vindicado.
A centelha
continua desfolhada
a par do hino madrigal.
Trago
a manhã arrumada
no dorso.
Não finjo
estados estultos
fantasmas perfunctórios.
Tirei ao medo
um paradeiro e um património
e fiquei a par da liberdade.
Arrumei
as luvas do desencanto
jurei desenganar a angústia.
Apalavrei
este desprendimento
nas cicatrizes tatuadas.
Espero
com juros imodestos
a paga em volta.
Ou então
com o selo da modéstia
apenas o saber da vida perlongada.
Gravado a fogo
o nome ouro esperava santuário
enquanto as juras submergiam
no vulcão atónito
vertiam uma babugem
como se fosse
parte de uma fala interminável.
Os dados fugiam do tabuleiro
e as pessoas não iam a jogo
grevistas sem saberem no despojado chão.
O nome era o ouro arrematado pela boca
e a língua nómada
arrancava as palavras escondidas
gravando a medo a pose desautorizada
o meigo afago que desenhava o rosto
desmentindo os pusilânimes algozes
os que erravam nas cicatrizes das pessoas
agravando a insónia.
De cada vez que o sol se levantava
os espelhos armavam-se
contra a tirania dos farsantes
os déspotas também arrancados de dentes
mordendo por dentro das horas consecutivas.
Dizia-se dos adiares
que eram escotilhas
o lugar sereno
onde as pessoas guardavam os alfaiates
fossem de moda feita ou por inaugurar.
Lívidos
os outrora reféns
narravam a bondade dos torcionários
como os demoviam das monstruosidades
antes que fossem demitidos das graças
e devolvidos fossem aos arcanos mosteiros
onde lápides convocavam o futuro.
Sem ficarem órfãos da chuva celebrada
os miríficos tecedores de palavras
escondiam-se dos outros
juntando-se
aos poemas intemporais.
De nada sabiam
os meãos paladinos
que viravam as palavras do avesso:
sua era uma coutada sem morada
e da pele assumida ficavam de pé
as sílabas profanadas
as sílabas que faltavam
para um sentido inteiro
ser dado aos deuses.
Um sonho confessável
é poder escrever
com todas as letras sanguíneas
procederei em desconformidade.