20.5.24

Injustiças indocumentadas (357)

As horas valentes

(também)

deviam ter um hino.

#3156

Um meteorito 

depressa se torna 

metáfora. 

19.5.24

#3155

Três quilómetros de sorrisos

não menos

e uma dioptria a mais

para confirmar a craveira.

18.5.24

#3154

Não é a absolvição

que tentamos saber; 

há tanta transgressão

sem precisar de holofotes.

17.5.24

Paraquedas

Tinhas de começar o poema por “não”

a maldiga mania de rimares o mundo

com indigência

sem dares crédito às bucólicas criações

dádiva aos nossos olhares

um módico de generosidade

para desmatar a desconfiança embebida

em cada poro da pele que mal respira. 

 

Mergulhavas no poço sem fundo à vista

sem temeres que fosse o poço da morte

e encontravas lenços de linho

calçados pelas cores sem exceção do arco-íris

o beneplácito régio de uma república enquistada

ou apenas uma chávena de café

para dirimir a sonolência

o gesto que mobiliza os espíritos cansados

em turnos sem medida e sem sono

em versos que respiram 

o alecrim baldio. 

 

Alguém disse

as manhãs caem antes do tempo

e ninguém protestou;

não sei se estavam anestesiados

ou se apenas 

se tinham enganado no dia

e entraram pelos bastidores errados.

#3153

A imagem nua

devolve a vergonha

aos decadentes.  

16.5.24

Destemido

A perna passa o logro 

o corpo pertence à safra

um estuário invisível apetrecha-se 

na audácia dos homens do mar

como se tudo se contagiasse 

sucessivamente

e deixasse de haver 

causa e consequência. 

O cortejo entoa os versos mudos. 

Os rapazes ateados bolçam despautérios

convocam a loucura liberalizada

e correm pela praça fora

atenazando os mirones que fingem incómodo. 

Ali não há nómadas:

os bancos de jardim estão gastos

tão puídos que deles se diria serem escombros

ou em vias de neles se tornarem.

(Ali não há limões,

exuberantes ou limões apenas).

As pernas traçam uma horizontal 

com um banco do jardim

como se tirassem a bissetriz galanteadora

ao horizonte finito. 

O entardecer 

há de ser a rima a propósito

a luz desmaiada como promessa

de outro dia no cortejo que se abona

no astrolábio dos adultos. 

Injustiças indocumentadas (356)

A palavra dada

é a de maior carestia.

Injustiças indocumentadas (355)

Trair a pátria,

o adultério marcial.

#3152

A luz decantada

sobe ao céu da boca

alimenta o poema singular.  

15.5.24

Figura de estilo

O fogo posto

colhe a ideia hostil

perseguindo a absolvição

um reduto útil onde amanhece a vontade

no estuário que ornamenta a janela. 

 

Fogem os vultos assanhados

espartilhando as luzes desmaiadas

contra as injúrias que soam no silêncio

vazio o coldre participado de mentiras

no caudal estrénuo que inventa a noite. 

 

Em sentido

os mecenas visitam a fome inaugurada

juram a fome sem número

na moldura das mãos caiadas.

#3151

Juro:

sonhar,

acima das possibilidades. 

14.5.24

O assunto

O assunto 

olha de lado

desconfiado

maroto

receoso 

que o mudem de lugar

e que passe a ser

página datada

féretro

de toda a validade 

passada. 

O assunto

quer ser centrípeto

quer achas contínuas

para não deixar 

de estar ateado

e sempre, 

sempre

ser assunto. 

O assunto 

não tem medo 

do que haveria de ser

o medo maior:

que de tanta presença

de tão quotidiano se tornar

seja reduzido 

à indiferença.

Injustiças indocumentadas (354)

O ilegível

tornou-se

elegível

contra o anátema

do ininteligível.

#3150

Fujam, patrícios:

do  nevoeiro cheio vem

o almirante da gravata

pronto para a bravata.

13.5.24

Desfiladeiro

Em cada partida

as cinzas do futuro

a escotilha 

que esconde a janela

no pântano impróprio

o estremecimento 

onde findam os pesadelos

arcaicos. 

 

No paço que foge das vozes

o silêncio povoado de claraboias

irrompe com ferocidade

amotina-se com os punhais dormentes

no miradouro que espia as almas

incapaz de ser a sua própria 

atalaia. 

 

As juras são escombros

a decomposição anotada em ardósia

um gato a fugir do cão rival

as ondas desatadas na planta da piscina

ou a maré propositadamente baixa

o autógrafo gasto no chão possuído

pelos deuses arrancados 

aos tronos. 

 

Os garfos coreografados 

falam para a orquestra

não lhe dizem estar desafinada

os olhos desamestrados são peritos

em subjetividade

o mar imenso onde se esconde 

a hermenêutica que desaloja

o sentido único das palavras. 

 

Nos maios sucessivos

em véspera de um estio castigador

as malas são esconderijos

uma hibernação do avesso

antes que a frívola volúpia dos versos

contamine as mãos por inaugurar

o vento desassisado se amontoe

na garganta curada.

Injustiças indocumentadas (353)

Os quinze minutos de fama

duram muito menos

que quinze minutos.

#3149

Lidos os oráculos

crescia o apetite 

pelo passado.

12.5.24

#3148

Sob o fogo tempestuoso

as veias trespassadas

pelo pranto contumaz.

9.5.24

#3147

As marionetas,

ao menos,

não têm mau feitio.

8.5.24

Injustiças indocumentadas (352)

A mão de semear

desabrocha 

num legume 

ou num fruto?

Tutorial sobre a feitura de parágrafos

Não tenhas a régua e o esquadro

à mão

não te aflijas

nada se mede por uma métrica;

quando ter enjoarem

com resmas de doutrina

sobre

a medição do parágrafo perfeito

atira-lhes com a impureza crónica

essa latência que despoja 

as grandes ambições da humanidade.

 

A petição da autonomia

também se aplica 

aos parágrafos.

#3146

Altamente:

“conduta altamente criminosa”,

altamente.

7.5.24

Dúvidas deitadas aos diamantes

Das dúvidas às dúzias

não dissipadas 

mas dádivas

o dorso dorido ainda dançando

na dorna dividida pelo deão. 

Desmontada a dívida 

desmatam-se os daninhos

antes que debruçados sobre os dedos

desfaçam as dores desajeitadas

que desarranjam os diademas. 

Das dúzias que duvidam

deste ou daquele drama doloroso

dão-se os dotes datados

contra as divindades 

que destroem o dia dúctil.

Injustiças indocumentadas (351)

A festa

não tem de ser 

rija

sem que seja

mole.

#3145

O futuro

é o nonsense 

averbado na pele perdulária.

6.5.24

Solenidade

As manhãs são claras

quando nós queremos. 

 

Os malmequeres exibidos

destronam barragens 

antes que do dormitório se levantem

os compadres destemidos

e ciciem

contra os rostos letargos

os candeeiros vetustos que ainda escrevem

velhas grafias. 

 

No oceanário 

viceja um ecossistema diametral

irradia uma luz singular

que descafeina as grandes ilusões do tempo. 

A descrição dos mineiros das almas

são sempre parciais

metódicas farsas que dão sentido à mentira

agarrando o vento desbragado que entoa o Sul. 

 

As tardes

escondem-se no silêncio dos gatos dormentes

a planura cheia de jarras

e os olhos vazios deitados 

nas pétalas despojadas.

Injustiças indocumentadas (350)

Portagens

há muitas

seu palerma.

 

[Comentário: o PS fez aprovar a extinção das portagens nas SCUT quando o recusou fazer enquanto esteve no governo]

#3144

Na embriaguez do poder

o abismo que anestesia.

5.5.24

Elevador social

Não sejam endossadas as culpas

para o elevador:

a lotação está esgotada

a tradução que se saiba:

 

frívola ambição ou ansiedade legítima;

 

arqueado pela sobrecarga

o elevador não se alça ao apetecido

arreia 

com o peso sem mesura.