19.2.25

#4019

Chora por ultimato 

a coragem 

não se vende às palmas.

18.2.25

Trama

Corres atrás da fonte das palavras

os dedos juram estrofes sem medo

como se apostassem na redenção. 

Desdissesse as juras amontoadas

os vultos então emparedados

condenados ao silêncio

e a noite enfim soberana na escolha

dos sonhos desembaciados. 

 

Os apeadeiros não tinham nome

como as pessoas não tinham nome

e eu sabia

no provisório desdém da verdade

que as profecias nunca têm validade. 

 

Chamava pelo ciciar da fala perto

um miradouro às escondidas

os corpos insinuados nas sombras revezadas

até que as portas desembaraçadas

se abraçavam às sentinelas sem freio

levantando as credenciais 

e o medo cristalizava em leves socalcos 

só à espera

de o luar confirmar 

a voz penhorada da noite.

#4018

Antes que o satélite do asnear 

entre em órbita

guarda 

para memória futura 

o artefacto da lucidez.

17.2.25

A maravilha da espécie

A pauta espoliada

à guarda dos centuriões

desmata os segredos de outrora

válidas arcadas sobranceiras ao espetáculo

da vida. 

O gelo finge as fissuras 

imita a estultícia sem rodeios

as pagas por haver no débito sem inventário

como as bocas pasmadas 

que esperneiam com o toque de Midas 

– o operário nas horas vagas da humanidade –

combinando as sílabas destronadas

com os episódios de humildade

que conferem, 

enfim,

a maravilha da espécie.

#4017

A sentença da manhã 

derramada sobre os rostos inaugurais 

conta os versos que saciam a letargia.

16.2.25

Injustiças documentadas (509)

Não tenho cabeça 

mas não ma deceparam.

#4016

A bola ficou na rede. 

Lamenta a orfandade 

sob o esgar tirano da rede. 

15.2.25

Injustiças documentadas (508)

A culpa já vive 

em união de facto.

#4015

Mantemos as cortinas hasteadas 

interditamos os olhares forasteiros 

como manda

a reserva do direito de admissão.

14.2.25

Amor sem máscara

Não fujo do tempo enquanto habito a luz decantada pelo teu olhar. 

Subo pelo corpo que me salva sem precisar de arnês.

Descubro o miradouro onde o vento esconjura os pesadelos.

É à noite, depois da solidão derrotada, o desembaraço das almas deixa-nos a contar histórias.

Essa é a enciclopédia que escondemos do futuro.

As sílabas apenas sussurradas. 

Levitando o poema que escrevemos a quatro mãos.

Injustiças documentadas (507)

Para quê 

pano para mangas 

se está tanto calor.

#4014

A corda embuçada

aperta a jugular do dia 

e as pessoas fingem que é ontem.

13.2.25

Desfalque

Não é dorso que dança

no improvisado verbo que se avessa. 

O denso dardejar dos dedos

ensaia estrofes no estuário ensinado

o vago ondear que vagueia nas onomatopeias. 

Fujo afivelando os fusos como alfinetes párias

o troar que olha de longe os tribunais

no adro ladrilhado pelo silêncio ladino. 

As horas fogem da horda

o militante dever misturado com a cidadania

versos avisados no volante da vontade

ou apenas as penas à revelia do revés. 

Faço campanha sem a taça por companhia

eu

acidental comparsa de vultos sem pressa

aviltando o ocidental compadre das farsas

no povoado onde se aviva o coloquial. 

#4013

Somos ilhas

sem mar imenso

à ilharga.

12.2.25

Metódico

A mão estendida bebe na pele suada o bordado das palavras sem adiamento. Tempera um vulcão promitente, suplica o insaciável. As bocas ateiam a combustão. Entregam os juros por inteiro em sílabas desmedidas. A manhã não passa de uma luz desmaiada. E nós, fugimos da manhã para dar ao gelo o fogo de que somos mecenas.

Injustiças documentadas (506)

Faz como Baco 

e tudo fica baço.

Injustiças documentadas (505)

Não lembra ao diabo, 

lembra o diabo.

#4012

No nosso tempo é que era 

se tivesse havido 

um tempo nosso.

11.2.25

O martelo

Martelo

és pneumático no percutir

e abandonas os choros ao troar insistente.

Martelo

por quem és

esvoaçando mistérios 

alinhavados no movimento basculatório.

E se, martelo,

te vierem desmembrar

na solidão da madrugada altiva

seccionado a bigorna metálica

da haste em madeira puída, 

de ti dirão que foste aliviado de serventia

agora perdido na inútil disfunção de ti mesmo.

Não tivesses sido algoz

agora à mercê da justiça com a assinatura

das vítimas que arrolaste.

#4011

Devemos 

ser devedores

da genealogia do presente.

10.2.25

Teatro

As vozes fogem dos ossos

amedrontam-se 

com os opúsculos que desacertam as certezas

enquanto os demónios

que conspiram nos telhados estroncados

não se sossegam. 

 

A trovoada ingénua 

empresta uns modestos clarões à noite

vocifera o gemido castrado

dos deuses desautorizados 

– os pobres deuses que 

se pudessem

só tinham as saudades como alimento. 

 

Estes são os visíveis rostos

da parte de fora dos corpos

lençóis estendidos escondendo a pele

como se fosse vergonha

o gentil canto que chama os pássaros. 

#4010

Precipício por precipício 

as ondas cavalgadas 

sem saber do medo.

9.2.25

#4009

Por um triz 

o quase se leiloava 

agora.

8.2.25

#4008

A luz áspera

ferve na impaciência 

dos bárbaros.

7.2.25

Fintar o esquecimento

Corria o vento

mais depressa do que a memória

esbracejando com o esquecimento

como idioma franco.

 

Esse é o medo maior

do tempo que se transforma em idade

o esvaziar por dentro

a falta que faz aquele eu que era memória

e agora está esquartejado

num labirinto invisível.

Injustiças documentadas (504)

Tu 

comes e bebes

os comes e bebes.

#4007

Do ramo deposto 

a imprecisa cisão da voz: 

a fala casta 

voluteia na espiral sem freio.

6.2.25

Incerto

O nu motivo acendeu o verbo

agora

preso ao animal povoar

a pele que não escama às súplicas menores

logo nós 

na habilitação do sangue

a desaprender a corrosão

a nossa cidade é a maresia tectónica

o abraço que funde as camadas de magma

até sermos um oráculo incerto.

#4006

Antigamente

não era bom;

antigamente

já não existe.

5.2.25

Desembaixada

Guardo o sangue passado 

no rio que se torna mar 

num futuro que não tarda.

Escolho as sílabas cantantes 

entre o medo de ser 

e a ambição de vultos torrenciais.

A fita métrica

sobe a andares altos 

onde solenes discursam 

os embaixadores da pertença.

 

Guardo o sangue 

passado de desperdício a passaporte.

 

Se ainda for a tempo 

digam que fui discreto 

na convocatória de ovações 

pois, assim como assim, 

elas eram sempre em causa alheia.

 

Nunca soube 

de mim ser

embaixador.