Chora por ultimato
a coragem
não se vende às palmas.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Corres atrás da fonte das palavras
os dedos juram estrofes sem medo
como se apostassem na redenção.
Desdissesse as juras amontoadas
os vultos então emparedados
condenados ao silêncio
e a noite enfim soberana na escolha
dos sonhos desembaciados.
Os apeadeiros não tinham nome
como as pessoas não tinham nome
e eu sabia
no provisório desdém da verdade
que as profecias nunca têm validade.
Chamava pelo ciciar da fala perto
um miradouro às escondidas
os corpos insinuados nas sombras revezadas
até que as portas desembaraçadas
se abraçavam às sentinelas sem freio
levantando as credenciais
e o medo cristalizava em leves socalcos
só à espera
de o luar confirmar
a voz penhorada da noite.
Antes que o satélite do asnear
entre em órbita
guarda
para memória futura
o artefacto da lucidez.
A pauta espoliada
à guarda dos centuriões
desmata os segredos de outrora
válidas arcadas sobranceiras ao espetáculo
da vida.
O gelo finge as fissuras
imita a estultícia sem rodeios
as pagas por haver no débito sem inventário
como as bocas pasmadas
que esperneiam com o toque de Midas
– o operário nas horas vagas da humanidade –
combinando as sílabas destronadas
com os episódios de humildade
que conferem,
enfim,
a maravilha da espécie.
A sentença da manhã
derramada sobre os rostos inaugurais
conta os versos que saciam a letargia.
Mantemos as cortinas hasteadas
interditamos os olhares forasteiros
como manda
a reserva do direito de admissão.
Não fujo do tempo enquanto habito a luz decantada pelo teu olhar.
Subo pelo corpo que me salva sem precisar de arnês.
Descubro o miradouro onde o vento esconjura os pesadelos.
É à noite, depois da solidão derrotada, o desembaraço das almas deixa-nos a contar histórias.
Essa é a enciclopédia que escondemos do futuro.
As sílabas apenas sussurradas.
Levitando o poema que escrevemos a quatro mãos.
Não é dorso que dança
no improvisado verbo que se avessa.
O denso dardejar dos dedos
ensaia estrofes no estuário ensinado
o vago ondear que vagueia nas onomatopeias.
Fujo afivelando os fusos como alfinetes párias
o troar que olha de longe os tribunais
no adro ladrilhado pelo silêncio ladino.
As horas fogem da horda
o militante dever misturado com a cidadania
versos avisados no volante da vontade
ou apenas as penas à revelia do revés.
Faço campanha sem a taça por companhia
eu
acidental comparsa de vultos sem pressa
aviltando o ocidental compadre das farsas
no povoado onde se aviva o coloquial.
A mão estendida bebe na pele suada o bordado das palavras sem adiamento. Tempera um vulcão promitente, suplica o insaciável. As bocas ateiam a combustão. Entregam os juros por inteiro em sílabas desmedidas. A manhã não passa de uma luz desmaiada. E nós, fugimos da manhã para dar ao gelo o fogo de que somos mecenas.
Martelo
és pneumático no percutir
e abandonas os choros ao troar insistente.
Martelo
por quem és
esvoaçando mistérios
alinhavados no movimento basculatório.
E se, martelo,
te vierem desmembrar
na solidão da madrugada altiva
seccionado a bigorna metálica
da haste em madeira puída,
de ti dirão que foste aliviado de serventia
agora perdido na inútil disfunção de ti mesmo.
Não tivesses sido algoz
agora à mercê da justiça com a assinatura
das vítimas que arrolaste.
As vozes fogem dos ossos
amedrontam-se
com os opúsculos que desacertam as certezas
enquanto os demónios
que conspiram nos telhados estroncados
não se sossegam.
A trovoada ingénua
empresta uns modestos clarões à noite
vocifera o gemido castrado
dos deuses desautorizados
– os pobres deuses que
se pudessem
só tinham as saudades como alimento.
Estes são os visíveis rostos
da parte de fora dos corpos
lençóis estendidos escondendo a pele
como se fosse vergonha
o gentil canto que chama os pássaros.
Corria o vento
mais depressa do que a memória
esbracejando com o esquecimento
como idioma franco.
Esse é o medo maior
do tempo que se transforma em idade
o esvaziar por dentro
a falta que faz aquele eu que era memória
e agora está esquartejado
num labirinto invisível.
O nu motivo acendeu o verbo
agora
preso ao animal povoar
a pele que não escama às súplicas menores
logo nós
na habilitação do sangue
a desaprender a corrosão
a nossa cidade é a maresia tectónica
o abraço que funde as camadas de magma
até sermos um oráculo incerto.
Guardo o sangue passado
no rio que se torna mar
num futuro que não tarda.
Escolho as sílabas cantantes
entre o medo de ser
e a ambição de vultos torrenciais.
A fita métrica
sobe a andares altos
onde solenes discursam
os embaixadores da pertença.
Guardo o sangue
passado de desperdício a passaporte.
Se ainda for a tempo
digam que fui discreto
na convocatória de ovações
pois, assim como assim,
elas eram sempre em causa alheia.
Nunca soube
de mim ser
embaixador.