16.4.25

Avança

Avança

esta é a avoenga herança

sem transigir na dicção dos costumes:

 

fala-se de valores

antes que sejam esquecidos

dantes esquecidos na febre da apatia. 

 

Avança

antes que fantasmas sejam moradores

e a desolação retrate a paisagem

como se um inverno nuclear tivesse chegado. 

 

Avança

antes que a anestesia do tempo

de ti faça mera estátua sem toponímia.

#4063

Não temos tirocínio para acrobatas

mas andamos todos os dias 

no fio da navalha.

15.4.25

#4062

O nariz do corsário 

ainda não aprendeu com a mostrada.

14.4.25

Injustiças documentadas (530)

Apareceu 

de peito feito

e nem sequer

foi ao silicone.

#4061

Se ainda sobrasse luz 

como do dia o adiamento se ajeitasse 

na súplica do ilustre impossível.

13.4.25

#4060

Fraquejava

– esse corajoso avental 

mostrado às claras.

12.4.25

#4059

A este bramido 

que nos cospe sem vergonha 

fogem os rostos enquanto não cedem 

por decência.

11.4.25

A fábrica dos sonhos

A leveza da tarde 

entre as árvores que renascem

e o rumor que evoca as falas limítrofes

levita no palco onde se aformoseia o dia.

Como se fosse uma anestesia

e em redor tudo deixasse de contar

os olhos fechados entram no exílio

desenham os contornos de um lugar singular.

 

Não se perfumam as armas de outros arsenais

não se tatua a desconfiança na melancolia

não se levantam as ondas iracundas

numa maré acostumada por ventos adestrados;

as ruínas escondidas

avalizam o tempo furtivo

rivalizam com os destroços avulsos

que não são despojos.

 

Se der à noite o que ela impetra 

– um quarto sombrio onde vagueiam as palavras

o luar logrado pelas nuvens acamadas

um rasto de sobriedade que povoa a lucidez – 

sinto a redenção a medir as veias

e sei que sou tutelado pelo sono seguinte

enquanto o amanhecer se prepara

na fábrica dos sonhos.

Injustiças documentadas (529)

Tanto se elucubra 

sobre a guerra comercial 

e ainda ninguém se lembrou 

de tarifar a guerra.

#4058

Este é o vento raso 

que penteia a pele.

10.4.25

Ímpares

É a maresia que adocica o dia

à medida que o relógio se adianta à luz

e os desacontecimentos se orquestram

no idioma válido. 

Diziam 

que somos todos derrotados

mas não acreditei;

está é uma teimosia cara aos vencedores

um cálice bordado a ouro para o melhor néctar

as pétalas encimando as pálpebras prístinas

e outros modos de falar 

que passam pelo silêncio. 

Tomo o entardecer como solução para as dúvidas

sob a tutela de um copo de vinho

a espada para desfeitear o dia tumultuoso

à espera que a maré encha

no recobro solitário dos verbos desarrumados. 

Esta é a fértil absolvição imprevista:

o revólver vazio 

acompanha a solidão da noite.

Ainda bem que não há vítimas

no perímetro sob a tutela do olhar.

Injustiças documentadas (528)

E depois havia aquele notável 

que, cansado de o ser, 

suplicava 

“quando for pequeno”.

Primeira página

Tomamos conta do luar

apanhamos de cor 

as pétalas que levitam

e dançamos os verbos encantados

que nascem no sangue amotinado.

#4057

Gosto do improvável: 

dos dias diferentes 

procede o condimento da vida.

9.4.25

Custódia

A senda aberta 

o grande temor do mundo

arrancado aos ferros ferrugentos

amacia as palavras que se estilhaçam.

Manifesto contra os contratempos

Podemos dar nomes a vulcões

ou apenas ficar à espera do luar

enquanto afastamos o crepúsculo

com as costas das mãos.

 

Podemos assentar os olhos no devir

amassando os verbos até serem pródigos

e cortejar os jacarandás

até que se tornem nossa bandeira oficial.

 

Podemos desejar os versos por fazer

sermos arquitetos da poesia sem estribo

ou apenas darmos a voz colossal

ao palco onde se emancipa a fala.

 

Podemos fugir da noite fria

empunhando as mãos enlaçadas

que fruem no hino magistral

enquanto vemos os dias em roda-livre.

 

Podemos ouvir o rumor das rugas

o silencioso penhor que não recusamos

e estender os passos ao tamanho do mundo

no calendário sem regras que levamos nas mãos.

#4056

Sou 

o chão 

que se entranha 

no corpo.

8.4.25

Conduta

Permanente contratempo

a égide dos olhos tomados pelas nuvens

e lá fora

a multidão sem protesto por falta de causa. 

 

Logo que os tribunais dos sentidos

ganhem sua pausa

peço à lua um chapéu sem abas

para do luar pedir duas estrofes de empréstimo

enquanto finjo um sono improvável

e escuto as falas que se entrecruzam

no reino destronado 

por conta da avenida dos heróis sem nome. 

 

Não se diga 

que há carestia de palavras. 

O poema arredondado 

sobe no crescente diurno

emoldura o rio prateado

como se fosse medalha olímpica. 

Injustiças documentadas (527)

Correr à boca pequena

é mais devagar 

do que correr à boca grande?

#4055

Desmata o preconceito. 

Não precisas dele 

até seres noite puída. 

Injustiças documentadas (526)

Descobri 

o (mesmo) saco 

onde está 

a farinha (adulterada).

7.4.25

Musgo

Rasuradas as lágrimas

extingue-se o vulcão da memória. 

 

Agora somos só nós

uns braços sem arestas

e a visibilidade da manhã fria. 

 

À sorte

pedimos a água que afasta a sede

uma maré sem nome

que se alista no cais sem prescrição. 

 

Dizemos adeus

aos fantasmas diletantes

e no compêndio da fala

convocamos as bocas sem mudez

elas em forma de poetas

embuçando o exército de párias.

#4054

O rio caduca

quando beija o mar.

6.4.25

#4053

Uma carta de amor 

não se escreve,

vive-se.

5.4.25

#4052

As ideias que se mestiçam

atapetam a glória 

de quem as pensa.

4.4.25

#4051

Diz 

com a força do sangue que trazes 

as estrofes de que te sabes composto.

3.4.25

Telhados de vidro

Das pistolas puídas falam os párias. 

O sol posto sobre as entradas

um embaraço aos estetas

como um campo minado 

por ferramentas amolecidas;

já nisso andam os pastores

desde a alvorada anterior à própria alvorada

o pecaminoso joelho em cima da luz ríspida. 

 

Depois

entram os cavalos desempossados

consomem a saliva irada de quem foi abandonado

impunemente desbaratando a liberdade herdada. 

 

São tantos os contos

que se atropelam na tela do pensamento;

não chega todo o vocabulário

nem a medida do tempo parece combinar

e a trovoada como pano de fundo

mistura-se com o rumor do fino fio de água

que é ainda véspera de um rio. 

 

Avançam

sobrepostos a uma meada de nuvens

os braços frenéticos que falam de segredos;

avançam

reféns da sua ordem meteórica de acasos

e nós

desde a plateia

esboçamos um coro esforçado

não escondemos o olhar seráfico

que se antecipa ao sono tutelar. 

#4050

Um lírio sem haste 

fala pelas lágrimas órfãs.

2.4.25

#4049

Praticamente a desembestar, 

o torneio que não se candidata 

ao fátuo.

1.4.25

#4048

As pétalas dançam 

memorizam o dia latente 

antes de serem expropriadas 

pelo vento tardio.